Basílica Nossa Senhora da Boa Viagem – São Bernardo do Campo
“Não é ele o filho do carpinteiro?” ( Mt 13, 55)
Esta é a pergunta que nós ouvimos no Evangelho referente a Jesus. O Verbo se fez carne e habitou entre nós. O filho de Deus se fez homem e quis em tudo, até mesmo no trabalho, assemelhar-se conosco, menos no pecado. Do Cristo trabalhador, operário de Nazaré, brota a santificação e dignidade do trabalho!
Prezados irmãos e irmãs, Povo de Deus aqui reunido para celebrar a alegria de nossa fé; prezados padres, diáconos, religiosos, religiosas, seminaristas, amigos e amigas, trabalhadores e trabalhadoras. Prezado Sr. Orlando Morando, Prefeito Municipal de São Bernardo do Campo, senhores vereadores e demais autoridades aqui presentes.
- Hoje, a nossa Igreja nos chama para contemplar Jesus que trabalha na oficina de Nazaré como simples operário. Isto nos faz refletir sobre o trabalho humano, sua dignidade e valor. O trabalho é um dever de todos. Para o cristianismo, este dever se funda num dupla vocação que o homem recebe de Deus:
a) A vocação de completar e prolongar, pelo trabalho, a obra da criação: “Assim nunca se acabam as obras de Deus” (Ec 38,8).
b) A vocação de realizar a sua própria plenitude, pelo desenvolvimento de suas energias físicas e espirituais.
A Bíblia nos ensina que o trabalho pode ser penoso, mas nos faz crescer em experiência e purifica nossa vida. Além disso, o trabalho é também um direito, conforme a Declaração dos Direitos Humanos aceita pelos membros das Nações Unidas e firmado em 1948. É obrigação social dos governantes assegurar trabalho para todos. Na visão cristão trabalho não é somente ter um emprego para ganhar dinheiro, mas o trabalho é a atividade do ser humano que o faz sentir-se vivo, sentir-se útil e realizado.
- Nós hoje nos recordamos de São José que era carpinteiro, conforme o testemunho dos Evangelhos. E como na época de Jesus, o filho herdava a profissão do pai é certo que Jesus foi carpinteiro em algum momento. O fato de Jesus ter trabalhado nos mostra que o trabalho não é maldição, mas a maldição é não poder trabalhar ou trabalhar de forma indigna sem receber o que precisa para viver com dignidade. Em 1955 o Papa Pio XII proclamou São José patrono dos operários e instituiu a festa que hoje celebramos.
Em São José vemos brilhar as virtudes do homem justo que ora e trabalha. Seu trabalho é expressão do amor a sua família. Com o trabalho de suas mãos José provou seu amor a Maria sua esposa e a Jesus seu filho adotivo. José provou também que o homem não é escravo porque deve trabalhar, mas se torna escravo por ser obrigado a trabalhar sem esperança e sem recompensa. José trabalhou e com seu trabalho sustentou aquele que nos dá toda esperança: Jesus. Ele também pode nos dar a recompensa absoluta: a vida eterna. O trabalho é lei de Deus, direito da sociedade e dever que honra à pessoa. O sistema econômico que nos rege se esquece que ao roubar o trabalhador, ao roubar o valor do seu produto que é a mão de obra, mata-o pouco a pouco (cf. Eclo 34,22). O homem é trabalhador, mas é também uma pessoa e deve poder viver a fraternidade através do seu trabalho.
3.Estamos vivendo um momento dramático em nosso país, no que diz respeito ao trabalho. É importante repetir isso diante do desemprego que vivemos e que atinge 14% da população ativa do país. Vivemos uma tragédia: o desemprego Numa crise sem precedentes aumenta cada dia o sofrimento de nosso povo, em especial os mais pobres. Deus cobrará certamente, cobrará como cobrou de Caim ao perguntar-lhe: “Onde está seu irmão?” (Gn 4,9).
É preciso com muita coragem perguntar sobre a responsabilidade de cada um de nós em tudo o que está acontecendo. Será que não nos omitimos em muitos momentos? Será que não exigimos somente direitos sem se importar de cumprir nossos deveres? Será que o famoso “jeitinho brasileiro” não acaba alimentando a corrupção em todos os níveis? Será que o individualismo em tempos de bonança, e o querer levar vantagem em tudo, não acaba atrapalhando nossa maturidade social e gerando alienação.
4.No entanto é preciso não desanimar, não perder a esperança. Jesus, o filho do carpinteiro, está conosco. Nós somos convidados a ouvir sua Palavra que nos ajudará a encontrar a luz no fim do túnel. Longe da Palavra de Deus e da fé, não iremos a lugar nenhum. Mas com a Palavra de Deus ouvida, meditada e praticada, poderemos reerguer nossa sociedade descortinando um mundo de solidariedade e paz para todos. Este é o mundo que Deus quer e que nós queremos como fruto da justiça.
Estamos também com a Reforma Trabalhista para ser votada definitivamente no Congresso. É evidente que toda lei de tempo em tempo precisa ser atualizada. As Leis Trabalhistas do Brasil também precisam ser atualizadas para poderem servir e fazer progredir a relação entre trabalho, trabalhadores e empregadores. Porém, toda reforma deve ser feita dialogando com a sociedade. Uma reforma desta envergadura não pode ser imposta. Nem pode ser feita sem cortar privilégios e desperdícios, em uma cultura que propõe como objetivo é levar vantagem em tudo e não o trabalho pelo bem comum! Como um pai de família, antes de cortar qualquer direito dos mais pobres (filhos), deve também começar a cortar na própria carne, os altos salários e privilégios, mordomias.
A Palavra de Deus nos convida a bendizer a Deus em tudo o que fizermos. Fazer e trabalhar em primeiro lugar para Deus que é o Senhor de tudo porque Deus recompensará a cada um como seus “herdeiros” e servidores de Jesus Cristo (Cl 3, 22-25). A palavra de Deus nos adverte também que: quem faz injustiça receberá de volta a injustiça (cf. Cl 3,25).
Que esta nossa celebração nos comprometa a levar á sociedade o fermento cristão da justiça do Reino de Deus que está no Evangelho. Não podemos excluir Deus de nossa sociedade porque do contrário ela não terá futuro. Trabalhemos pelos direitos de Deus e pelos direitos dos pobres. AMÉM
Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André-SP