3º Bispo Diocesano de Santo André
Missa na Catedral Nossa Senhora do Carmo – Santo André
Isaías 25, 6-9
Rm 14,7-12
Mt 11,25-30
Prezados irmãos e irmãs, prezados padres aqui presentes e todos os que vieram para participarem desta celebração Eucarística pelo sufrágio da alma de Dom Décio Pereira, que foi o terceiro bispo desta Igreja de Santo André à qual pastoreou por 6 anos (29/06/1997 a 05/02/2003.
A santa missa é ação de graças por excelência porque nela celebramos o mistério da morte e ressurreição de Jesus o filho de Deus que se entregou por nós. Nela agradecemos porque em Jesus temos a salvação. Hoje ao celebrarmos esta missa em sufrágio de Dom Décio, queremos agradecer a Deus pela vida deste homem que foi pastor da Igreja.
É elogiada como agradecida a pessoa que lembra do benefício recebido, mas é muito mais agradecido quem se esquece do benefício para lembrar-se do benfeitor. A gratidão é a memória do coração. E a memória de Dom Décio está muito viva no coração agradecido de nossa diocese, na qual ele viveu seu lema episcopal: “para que tenham vida” (cf. Jo,10,10).
O Evangelho nos faz um convite: “Vinde a mim vós que estais cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei”. Jesus fala do fardo de nossa condição humana que pode terminar de uma forma tão banal que julgamos absurda, parecendo mais um aniquilamento ou fracasso. Jesus nos alivia porque revela-nos o mistério da vida verdadeira, revela o verdadeiro sentido da vida. Em especial Ele o revela aos pequenos, porque aos “inteligentes” deste mundo a mensagem de Deus permanece escondida.
Nesta perspectiva dom Décio descobriu o sentido verdadeiro da vida que é amar e servir, em especial aos pobres e servir com simplicidade. Ele a quem conheci como diretor espiritual do Seminário Central do Ipiranga onde estudei, e que esteve presente em minha ordenação sacerdotal, impondo-me as mãos junto aos outros presbíteros, era um homem de coração puro e simples. Muito inteligente, de uma grande sensibilidade reconhecida pelo clero de São Paulo ao qual pertenceu.
Tinha um coração fraterno e sem malícia que sofria com a maldade do mundo sem saber como combate-la a não ser com sua bondade. Ele não se guiou pela vã filosofia deste mundo com sua sabedoria vazia e fria. Guiou-se pelo evangelho da cruz que o fez configurar-se a Cristo, ao entregar sua vida como cordeiro que vai para o matadouro sem protestar, como o Servo de Javé (Is 42,1-7). A este servo Deus promete o que é essencial: o sustento, a ajuda, pois Deus o levará pela mão! Graças a esta ajuda de Deus o Servo poderá cumprir a sua missão que é manifestar a misericórdia de Deus. Isto Dom Décio fez muito bem, porque é recordado como homem bom, de grande coração e de olhar compassivo para com os pobres e sofredores.
No cerne da manifestação dos segredos de Deus que Jesus nos revela, está a verdade que faz conhecer o amor de Deus por nós, pois ele nos amou tanto que deu seu filho para nos salvar. Assim, a morte não é a destruição ou negação da vida, mas o seu coroamento e cumprimento.
São Paulo no trecho da carta aos Romanos que lemos, mostra-nos que para o cristão não há a solidão e o individualismo na morte, como se cada um vivesse sua própria vida. Para ele a vida que temos não a vivemos por nós mesmos e nem morremos por nós mesmos. Quer vivamos ou morramos, pertencemos ao Senhor! A vida do cristão está unida à vida de Cristo e é unido a Ele que vivemos ou morremos. Em Cristo nossa vida está unida também à vida de todos os nossos irmãos e irmãs em uma solidariedade plena.
Para o cristão não há solidão na morte, aconteça ela como for. A morte é o coroamento de toda uma vida, e dá à vida de quem morre um significado último. Assim a vida de Dom Décio que terminou no silêncio de uma morte solitária e inesperada, o fez configurar-se a Cristo que também de forma inesperada e no abandono viu sua missão ser interrompida.
Dom Décio, na sua passagem pela Diocese de Santo André, viveu com alegria seu pastoreio carregando sua cruz. Foi alguém que soube amar até o fim, incentivando a todos com sua palavra de ordem: Coragem! Amou a Cristo, e em Cristo amou a todos que se aproximavam dele em especial as crianças que corriam ao seu encontro pela força do seu sorriso… Na sua alegria e sorriso, na sua fala e em seu abraço de pai e irmão, transparecia a presença de Cristo entre nós.
Dom Décio soube desinstalar sua Igreja. Colocou a Igreja do Grande ABC em estado permanente de missão. Sua visita pastoral em várias paróquias, o empenho do Ano Missionário, o zelo pela catequese, sua ação eclesial para a superação da miséria e fome, preparou a Igreja de Santo André para os desafios dos anos que se seguiram à sua morte. Ordenou muitos padres e criou cinco paróquias. Soube com simplicidade olhar longe, deixou a nós seu legado de uma Igreja da Misericórdia, incentivada hoje pelo Papa Francisco.
Uma característica marcante em Dom Décio, fruto da sua simplicidade era a capacidade de acreditar no ser humano. Acreditava na inocência das pessoas, pois ele era inocente. Era puro de coração e por isso teve uma vida, desapegada, simples, parecida com a de Cristo o Bom Pastor. E isto que era a alegria de muitos, também chocou a muitos, como aconteceu com Jesus. Dom Décio foi um homem livre e por isso transparente. Pode-se dizer dele o que o livro da Sabedoria diz dos justos: “As almas dos justos estão nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos parecem mortos, a sua saída deste mundo é considerada um fracasso, e sua morte uma destruição, mas eles estão em paz!”(Sb 3, 1-6).
Por ocasião de seu falecimento, seu irmão e amigo Dom Luciano Mendes de Almeida, em seu artigo semanal no Jornal “Folha de São Paulo”, no dia 15 de fevereiro de 2003, escreveu sobre Dom Décio: “Qual era a sua característica? A bondade de coração. Não me lembro de tê-lo visto perder a paciência. Podia estar cansado e até enfraquecido na saúde, mas sabia encontrar força na fé para acolher a todos com boa vontade e ternura… Não quis dar trabalho a ninguém. Faleceu dormindo. Entrou no céu confiante em Deus e sorrindo, como sempre viveu. Irmão e amigo, deixou para nós o exemplo de sua bela vida, oferecida toda a Deus e ao próximo”.
Na primeira leitura o profeta Isaías nos recorda que Deus enxugará as lágrimas de todas as faces e eliminará da terra inteira a vergonha do seu povo. Esta vergonha é a falta de justiça e paz, o pecado que provoca tanto sofrimento através da violência e da morte. Diante desta realidade social Dom Décio se uniu aos sofredores, mas não para lamentar, mas para transmitir a esperança.
Dom Décio, pai e zeloso pastor, seu nome, muito mais do que em livros e monumentos, está escrito no coração e na memória do seu povo, na memória do coração dos diocesanos que sonham com a realização do Reino de Deus. A nossa saudade hoje, na certeza da ressurreição, torna-se esperança, a esperança que não decepciona, esperança que vence o mundo da malícia e da maldade.
Contamos com a sua intercessão por nossa Igreja de Santo André, até o dia em que nos encontraremos em Cristo na eternidade.
AMÉM!