Este pequeno livro trata-se, como bem descreve o seu título, de um ensaio sobre o modo como nós, seres humanos, lidamos com a morte.
Há algumas semanas ganhei uma virose de presente e acabei ficando de cama por seis dias, então, um dos meus mais recentes amigos, que também gosta muito de ler, emprestou-me um pequeno livro, para, segundo ele, “que eu me animasse, ajudando-me na minha recuperação”.
Achei aquela atitude de uma fineza tal, que houve até um estreitamento de laços, afinal, quem tem um hábito tão altruísta e desapegado como o de emprestar seus livros, geralmente, tende a ser uma boa pessoa, assim, promovi o sujeito de “conhecido” ou colega de trabalho para a categoria de amigo ou, pelo menos, deu um grande passo nesta direção.
Falando em empréstimo de livros, existe um ditado horroroso que diz: “Livro emprestado é livro estragado” e que, de certa forma, tem lá suas razões pela quantidade de perdas ou danos que são “registrados” pelos emprestadores, porém, o objetivo deste texto, além de dar a dica de leitura da semana é exatamente sugerir um pequeno “manual de boas práticas para empréstimos de livros”, para que cada vez mais quem tão generosamente empresta não fique com aquele aperto no coração e aquela voz na sua consciência que canta por meses ou até anos a fio: “o romance que emprestei, se ainda tens não sei, mas se tiver, devolva-me”.
Primeiro, é bom ter a consciência de que todo e qualquer bem que se empresta, até o de pequeno valor, deve ser cuidado com todo esmero por quem está administrando-o como se fosse seu, assim, é evangélico, de bom tom, moralmente correto e de uma polidez imensa devolvê-lo imediatamente após o uso e nas mesmas boas condições as quais chegaram na sua mão, inclusive, devolver o que é devido no tempo certo é uma das formas de praticar a virtude cardeal da justiça, que é uma das virtudes mais importantes para possibilitar o bom desenvolvimento da vida comunitária.
Segundo, sendo o livro um objeto frágil, uma vez que sofre um dano, é quase impossível ser reparado, restando-lhe para sempre aquela marca do desleixo ocorrido, assim, não é adequado que se risque, dobre páginas para marcá-las (para isto existe o marca página), deixá-lo próximo a líquidos que podem derramar e encharca-lo, sujar suas folhas com manchas daquilo que você bebia ou comia enquanto o folheava, enfim, a questão é ter zelo pelo que se utiliza, quanto mais se for emprestado ou de uso comunitário, como os livros alugados nas bibliotecas.
Falando em zelo, recordo-me outra vez da atenção que aquele meu novo amigo teve para comigo, emprestando-me no momento de enfermidade o excelente “A morte de Ivan Ilitch”, do escritor russo Lev Tolstói.
Tudo bem que, a princípio, fiquei meio questionada a respeito do motivo de estar recebendo um livro que fala de morte em pleno auge da minha doença, mas passado o momento de me divertir com o trocadilho da morte de Ivan Ilitch com o meu péssimo estado de saúde naquele instante, pude me deleitar com a narrativa maravilhosa deste autor, que é um dos grandes da história da humanidade.
Este pequeno livro trata-se, como bem descreve o seu título, de um ensaio sobre o modo como nós, seres humanos, lidamos com a morte.
Tolstói inicia a narrativa com os amigos de Ivan Ilitch lendo o anúncio de sua morte e já estes personagens insistem em permanecer distantes do ocorrido, chegando até a pensar que havia sido melhor assim, afinal, “antes ele do que eu”.
Logo após, o autor começa a contar a história da vida de Ivan, cidadão comum, pai de família, respeitável juiz, homem que nunca gostou de atrair as atenções para si, mas simplesmente buscou viver a vida como um sujeito de bem.
Não vivia lá um casamento dos melhores, na verdade, após um curto período inicial de paz e felicidade, chegaria a classificá-lo como “um matrimônio perturbador”, mas permaneceu firme em seu posto de marido e pai, e trabalhava incansavelmente para o sustento da família, podendo-se considerar, dentro de seus padrões de ambição, respeitabilidade e ascensão social, um homem de certa forma realizado, quando, de repente, após sofrer uma queda durante a reforma do apartamento que preparara com todo esmero para receber sua esposa e filhos na nova cidade para a qual havia sido transferido, eis que o estável Ivan é acometido por uma misteriosa doença, da qual nenhum médico conseguiu descobrir a origem a identidade ou a cura.
A partir daí, Ivan começa a passar pelo seu calvário particular, sendo acometido por dores excruciantes, medos, lembranças e revoltas característicos de quem percebe a própria vida subitamente devorada pouco a pouco por um mal irremediável.
No auge do seu desespero, até as visitas de seus entes lhe incomodavam, simplesmente porque estes apresentavam-se lhe sãos, gozando da mais perfeita saúde, sorte que a ele, aos quarenta e poucos anos, havia sido brutalmente roubada.
Em meio à luta contra a enfermidade, Ivan é imerso em uma grande revisão da própria vida, enfrenta sentimentos de saudosismo da juventude, alguns arrependimentos, um pouco de orgulho pelo que havia conquistado e até grande comiseração por si mesmo, pelo tempo que não mais lhe restara para realizar tantas outras coisas com as quais ainda sonhava.
Ele queria viver, esta era a sua grande verdade. Sentia-se, em dado momento, abandonado e incompreendido por todos, inclusive por Deus; por três meses penou as angústias de ter vivido uma vida comum, ter feito simplesmente o que era preciso em cada instante e nada mais, porém, em suas últimas horas de vida, tendo recebido a unção dos enfermos e se apiedado pelas lágrimas de seu filho mais novo e pelo olhar sincero da esposa que o acompanhou por uma vida, finalmente viu a luz no remate da noite escura do sofrimento na qual se havia enfurnado e pôde, finalmente, reconciliar-se com a própria vida e até mesmo com a morte, recebendo-a com sincera alegria não mais como o fim, mas como o novo e eterno começo.
É próprio de Lev Tolstói apresentar aos leitores reflexões sobre questões essenciais da vida e neste trabalho, com certeza conseguiu mais uma vez seu intento com maestria, tornando este pequeno livro indispensável a qualquer leitor que se preze.
Ficha
Livro: A morte de Ivan Ilitch
Autor: Lev Tolstói
I.S.B.N.: 8525406007