Prezados presbíteros e diáconos, participantes da vida consagrada e seminaristas aqui presentes, os que acompanham pelas redes sociais esta santa missa transmitida pela Radio Milícia da Imaculada e a mídia da Diocese de Santo André: sejam todos bem-vindos. Saudação ao Bispo Emérito Dom Nelson Westrupp. Com esta celebração encerramos o mês vocacional, dentro do Ano Vocacional que vive nossa Diocese de Santo André. Este momento único é abençoado. Estamos reunidos como Igreja, e o Ressuscitado está no meio de nós, como prometeu. É momento de conforto na força do Espírito Santo, que nos unge, em meio à tristeza da tragédia desta pandemia, deserto que atravessamos com as armas da fé, caridade e esperança.
Comemoramos nesta Missa Crismal, que não pudemos celebrar na quinta-feira santa, o nascimento do sacerdócio da Nova Aliança, que é participação na consagração do Messias o Cristo, o ungido, com o óleo da alegria. Por isso serão abençoados os santos óleos para o batismo e crisma, para a ordenação sacerdotal e episcopal e para os enfermos. O povo Santo de Deus é ungido desde o sacramento do batismo e crisma, para viver o seguimento de Jesus Cristo. Cada um com seu carisma. Porém a dignidade é igual, só os dons são diferentes. Os diáconos representam na Igreja a Cristo Servo, pois o serviço por amor é fundamento de todo ministério. Mas o Presbítero é ungido para se configurar a Cristo Jesus, cabeça do Corpo que é a Igreja, Povo de Deus e Templo do Espírito Santo, como recorda nosso 1º Sínodo Diocesano.
Aos presbíteros, o Senhor dará o “salário” como diz o profeta Isaías (Is 61, 1-9). Qual salário? Ele mesmo, Deus é a paga e herança do presbítero. É com Deus que o presbítero faz aliança perene de amor no dia de sua ordenação. E na segunda leitura o autor diz quem é Jesus: “Aquele que nos ama e liberta” (cf. Ap 1, 5-8). O Evangelho apresenta Jesus que fez aliança de amor conosco, porque nos ama, confia em nós e nos envia em missão libertadora no meio dos pobres, a fim de anunciarmos seu Reino de justiça e paz. Não se pode viver o sacerdócio sem uma missão. A missão acontece quando o Espírito Santo nos leva a sair sempre , em primeiro lugar sair do nosso egoísmo e comodismo.
Jesus escolheu os discípulos para “estar com Ele” (Mc 3,14). Por tudo isto, Jesus se manifesta a nós como um amigo, aliás ele mesmo disse: “…não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15,15). Hoje é dia de renovar esta amizade profunda com Jesus. Amizade cultivada na oração e espiritualidade. Amizade é a palavra chave deste dia. Podemos ler toda a história da salvação a partir desta palavra chave: amizade. Nosso relacionamento com Jesus deve estar fundado numa amizade profunda com Ele e, a partir daí com os irmãos principalmente os irmãos presbíteros.
O que é um amigo? É aquele que te conhece a fundo e não obstante te quer bem, aquele para o qual não tens segredo. Jesus é este amigo que me conhece e apesar disso me ama. Ele não tem segredo para os amigos: “…tudo o que ouvi de meu Pai vos revelei” (Jo 15,15). O amigo representa um grande valor para o pensamento bíblico-cristão. “Um amigo fiel é uma poderosa proteção; quem o encontrar encontra um tesouro. Um amigo fiel é um bálsamo na vida” (Ec 6,14-16). Santo Agostinho que hoje comemoramos declara nas suas Confissões que não consegue viver sem amigos e escreve: “neste mundo duas coisas são necessárias: a saúde e um amigo” (in Sermo 299).
Que amigo temos nós mais fiel que Jesus? Ele nos chamou para segui-lo tão intimamente e, tolera com paciência nossas infidelidades, sem nunca desistir de nós. O evangelho atesta que Jesus considera amigos os seus discípulos, partilhando com eles sua missão. Dentre eles escolheu três e entre estes três um amigo: João, o único que esteve aos pés da cruz. Nem na sua paixão em meio a tormentos, os evangelhos narram que Jesus chorou, mas a morte de um amigo, Lázaro, ele chorou (cf. Jo 11,35). Que amigo admirável, divino e profundamente humano é Jesus. Isto porque amava o próprio Pai em seus amigos: “Se alguém me ama eu e o Pai viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14,23).
E a amizade o que seria? A amizade faz de duas almas uma única alma (Frei Luiz de León). É o sentimento mais profundo do ser humano, o único que pertence absolutamente à alma. De fato, mesmo os casais (que o digam os diáconos permanentes) precisam de amizade para viverem sua união matrimonial, impossível sem ela. Quem, no entanto, como Jesus, nos chama a viver uma amizade tão íntima e profunda? Ele entrega a nós seu corpo e sangue, que nós consagramos sobre o altar e diz-nos: “Quem come minha carne e bebe de meu sangue permanece em mim e eu nele”? (Jo 6,54).
A amizade é intimidade centrada na reciprocidade para uma edificação comum e ajuda mútua. Alguns autores medievais chegaram a referir à amizade o discurso de S. João sobre o amor: “Quem permanece na amizade permanece em Deus e Deus nele” ( cf. Alredo di Rievaulx, L ‘Amicizia spirituale, Milão, 1996, 130). A amizade portanto, não é egoísmo a dois, mas remete á comunhão trinitária. A amizade pura é uma imagem da amizade original e perfeita, aquela da Trindade, essência mesmo de Deus. “Pode-se pensar que a amizade pura, de intimidade e ternura, contenha como a caridade, algo similar a um sacramento” (Simone Weil, Láttesa di Dio, Milão, 1996, 155 – 156). A felicidade está articulada com aquilo que o dinheiro não compra, e a amizade é uma delas.
Meus queridos presbíteros, Jesus quer ter esta amizade profunda, pura, cheia de ternura para com cada um de nós. Mas nós queremos, uma amizade assim, com Ele? Estamos sabendo dizer sim a esta oferta maravilhosa de amizade? Ou achamos que é muito para nós o que Ele oferece? Que não daremos conta de termos um amigo assim? Exigente?
Talvez meus caros padres, seja necessário experimentar uma amizade humana, entre nós, ter um amigo de verdade, fazer uma experiência de amizade profunda, com um colega presbítero de preferência, para, a partir desta experiência, assumir a amizade com Cristo. Viver a amizade com nosso amigo, colocando Jesus como paradigma e meta a ser alcançada juntos, na amizade. Em um mundo individualista isto é um testemunho e profecia do Reino.
Exorto vocês a serem amigos entre vocês, mas também a terem um amigo de verdade. Uma amizade profunda, espiritual, íntima e terna, com outro colega presbítero. Só um padre entende outropadre. Esta será certamente uma experiência que abrirá as portas para a união com Cristo. Fomos tão alertados contra os perigos das “amizades particulares”, que eliminamos de nossa vida, a possibilidade de uma amizade verdadeira, e nos contentamos somente com colegas e companheiros. Que pena?
Somos humanos e aprendemos com as experiências humanas entre nós. O Filho de Deus quis ter amigos na sua humanidade e partilhou com eles sua divindade. Ele não teve medo de confiar, arriscar a ter um amigo, vivendo até nisso a sua kénosis. Peça a Deus esta amizade, porque ela é dom de Deus, e quando ela aparecer não perca a oportunidade. Tenha coragem de ter um amigo! Isto será uma força tremenda na vivência de sua vocação presbiteral.
Que Jesus hoje reforce em nós a graça de nossa unção, para amá-lo na Palavra Proclamada, na Eucaristia celebrada e no amigo que Ele nos deu ou dará. E a partir daí sermos profetas do seu Reino de fraternidade universal. Amém.
Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André