Diocese de Santo André

Homilia da abertura do ano de 2016 FEI – Jesuítas – SBC

 

(2Sm 15,13-14.30)                   (Mc 5,1 -20)

Irmãos e irmãs na fé e esperança cristã:

Com grande expectativa iniciam-se hoje as atividades curriculares deste ano de 2016. Estamos aqui nesta capela, espaço sagrado, que faz parte do Campus Universitário. Ela está disponível a todos durante as fainas do dia a dia, indicando a presença do transcendente e o motivo de nossos trabalhos: a maior glória de Deus. Expectativa e disposição são os sentimentos presentes em todos vocês, certamente, neste ponto de partida deste novo período acadêmico, após as férias e o recesso. É sempre importante disciplinar e organizar nossa vida, para usufruirmos bem o tempo que a graça de Deus coloca à nossa disposição.

Certamente todos terão temas para conversa, colocando as novidades em dia ao reencontrar os conhecidos e colegas de trabalho comunitário, a serviço da formação dos que aqui estudam, valorizando o ensino e a pesquisa. Todos sabem da necessidade e empenho na geração de novos conhecimentos, na formação dos estudantes, a fim de que se apropriem do tempo universitário, e sejam formados para a vida a serviço de uma sociedade eficiente, humana, cristã e geradora de oportunidades para todas as pessoas.

Estamos em meio a uma crise em nosso país em especial na economia, com inflação e desemprego em alta. O Brasil sofre com aquilo que a população aponta como primeira preocupação de todos: a corrupção. A falta de lideranças torna o cenário mais complicado. É preciso colocar o Estado a serviço da Nação. A Sociedade precisa reagir positivamente à crise e nós o queremos fazer, a partir da fé que temos, esta fé que tem como ponto de partida a Palavra de Deus. Deixemos que ela exerça sobre nós a boa influência, necessária ao nosso discernimento e equilíbrio.

A Palavra divina é fonte de inspiração para a contemplação de nossa vida. É luz que ilumina nossos passos. Ela nos coloca na perspectiva de nossa fé e esperança. Em cada Eucaristia a Palavra de Deus é proclamada, a fim de gerar intimidade e interioridade, pois nela o próprio Deus se dá a conhecer, revelando-se de maneira original, como Pai de misericórdia e bondade infinitas. Ele nos lega seu Espírito para que possamos conceber a vida e toda a realidade à luz de sua intenção criacional. O objetivo da Palavra de Deus é conduzir-nos à felicidade que aspiramos, seguindo o caminho indicado por ela. O caminho que a Palavra de Deus nos indica é o caminho de volta para casa: para Deus!

O Evangelho nos apresenta Jesus com seus discípulos que se encontram com um homem em estado deplorável. Vivia em lugares ermos, morava no cemitério, feria-se com pedras, tinha força invencível, não dormia, e gritava. Tentaram dominá-lo com algemas e correntes, mas ele as rompia. Diante de Jesus este homem dominado por forças ocultas se prostrou, suplicando para não ser atormentado pela ação libertadora que ele sabia possuir Jesus. Era um endemoninhado. Este homem possuído pelo mal (não nos esqueçamos que o mal é um mistério que São Paulo chama de “mistério da iniquidade” – cf. 2Ts 2,7) se prostra diante de Jesus, isto é o adora, ao mesmo tempo pede que o deixe em paz. Jesus primeiro pergunta o nome e ele diz que são muitos a possuírem aquele homem: seu nome é Legião. Jesus ordena que saia daquele homem, Jesus é o mais forte. O demônio pede que seu julgamento seja adiado que não o mande de volta ao inferno… Jesus autoriza que entre na vara de porcos (uns 2.000 segundo Marcos) e imediatamente os porcos se precipitaram no mar. O homem estava livre e em perfeito juízo.

O que pensar desta narrativa que nos chocam? As interpretações racionalistas e simplistas não servem, o psicologismo também não. O homem não é só razão e o Evangelho não sendo livro científico, não fala somente ao cérebro mas também ao ser humano como um todo. O Evangelho é um livro de Revelação de Deus e somente com os óculos da fé pode ser lido, pois foram escritos por pessoas que, tocadas pela fé experimentaram o poder de Deus que é maior que o poder do absurdo, do mal. Dizia um padre idoso: para quem tem fé não há necessidade de explicações, mas para quem não tem, elas não adiantam!

Mas enfim, o que diz a fé cristã sobre este texto? O que pode aproveitar para nós do século XXI? A razão e a fé são necessárias pois se iluminam uma à outra: a fé sem razão fica louca e cai na ilusão; a razão sem fé fica cega e cai no absurdo. Na estratégia narrativa de Marcos, os exorcismos representam o desafio inaugural que Jesus lança sobre os poderes do mal que escravizam o ser humano e tolhem sua dignidade de várias formas.

O contexto no qual Jesus opera esta libertação era o contexto da dominação romana. Os romanos com suas legiões impunham a pax romana, a ferro e fogo. O povo era oprimido e se desesperava. O endemoninhado representa a ansiedade coletiva, o desespero em face do imperialismo romano. Jesus ao libertar o homem da legião e mandar os demônios que atormentavam o infeliz para os porcos (figura dos pagãos para os judeus) os quais precipitaram-se no mar, lembra a libertação que Deus operou através de Moisés. Ele libertou o povo do Egito e fez com que as legiões do exército do Faraó se afogassem no mar. Jesus é o libertador com poder total. Não há miséria, por mais extrema que seja, que esteja fora de seu alcance. Era impossível libertar aquele homem endemoninhado, Jesus o fez com a força de sua palavra divina. Jesus é o mestre do impossível. Jesus liberta do “inimigo da natureza humana” como Santo Inácio de Loyola chama o demônio (cf. Exercícios Espirituais, Loyola, S. Paulo, 1985, p. 16).

Porém a reflexão sobre este acontecimento nos leva também a pensar na angústia do ser humano diante da realidade do mal, do pecado, sua vontade de se libertar e ao mesmo tempo seu medo de ser livre. O endemoninhado se prostra diante de Jesus em adoração, ao mesmo tempo o esconjura a deixa-lo em paz. É a contradição do pecado que afasta o homem de Deus. Embora desejando libertar-se do mal, do pecado, ama o pecado. Recusa a libertação que Jesus traz. Jesus manda e o demônio que atormentava aquele homem o deixa. Porém aí entra um detalhe importante. Entra nos porcos que se precipitam no mar. Os porcos morrem, o homem está salvo e feliz. O que significavam os porcos? A fonte de lucro a economia daquele povo. O prejuízo foi grande, pedem a Jesus que vá embora, que se afaste deles. Jesus é rejeitado: “Ele veio para o que era seu mas os seus não o receberam” (Jo 1,11).

Era muito mais fácil se livrarem de Jesus do que tentarem ser transformados por ele ou aprender dele. Estavam cegos pelo egoísmo, não percebiam que a libertação de um ser humano é muito mais importante que um prejuízo material, não compreendem que a cura do endemoninhado era um sinal de libertação total operado por Jesus, uma promessa de salvação que vai além do lucro e dos bens materiais. A nossa sociedade dominada pelo “deus” dinheiro e faz do lucro o objetivo supremo, ela também prescinde da libertação que Jesus traz. Se de um lado há uma busca de liberdade como nunca, de outro há a incapacidade de reconhecer esta liberdade a não ser no dinheiro. Não se pode servir a dois senhores disse Jesus, ou se serve a Deus ou ao dinheiro (Lc 16,13). Estes gadarenos, o povo deste lugar, pedem que Jesus se retire, preferem adorar o dinheiro, representado pelo lucro que obtinham com os porcos. Não importa que as pessoas fiquem na miséria, como estava o endemoninhado.

Mais uma última lição nos dá esta narrativa evangélica, a partir da fé: o endemoninhado pede para ir com Jesus, ser seu discípulo; Jesus aceita, mas não permite que ele o acompanhe. Jesus quer que ele fique ali para narrar a libertação operada por Jesus em sua vida. Ele será missionário ali. Já acompanham Jesus os doze, estes irão com ele para outros lugares. Está aí o apelo para quem provou a libertação operada por Jesus em sua vida, apelo a ser missionário no local onde se vive e se trabalha. Anunciando o Evangelho da vida, defendendo a dignidade do ser humano. A promoção da vida, a defesa dos direitos humanos não está dissociada da Evangelização, mas faz parte dela.

A Palavra de Deus nos apresenta ainda um exemplo concreto de alguém que preferiu o bem do povo no lugar da vantagem para si e da preservação de sua riqueza. A primeira leitura nos apresenta um drama da vida do Rei Davi. Seu filho o trai e desejando tirar-lhe o trono desencadeia um conflito que terminará com a morte trágica do traidor. O rei para evitar uma guerra civil prefere fugir, não quer seu filho morto (o que acabará acontecendo) e nem a morte dos cidadãos de Jerusalém. Na fuga Davi é humilhado, mas enfim será restabelecido no trono e o futuro se encarregará de mostrar sua generosidade capaz de refazer os elos e alianças para manter a unidade e o bem do Povo de Deus. Davi coloca o bem da Nação acima dos interesses pessoais, acima de si mesmo. Mostra-se um servidor realmente, preferindo preservar a vida do povo, mesmo correndo o risco de, na fuga, perder a própria vida. Está aí uma lição que não precisa de comentários. Em nossa sociedade marcada pelo narcisismo e o egoísmo, pensar mais no bem dos outros do que no próprio bem, é apanágio de quem crê na vida a partir da fé em Jesus Cristo que ensinou: “Não há maior amor que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).

Irmãos e irmãs, confortados pela Palavra de Deus, peçamos a luz e o discernimento de seu Espírito para descobrirmos em nossa vida a beleza do amor que se manifesta na misericórdia. Neste ano Santo da Misericórdia, querido pelo Papa Francisco, que nós possamos perceber a misericórdia de Deus como poder que conserva, protege, fomenta, cria e fundamenta a vida. Esta misericórdia manifestada em Jesus Cristo. Ela ultrapassa a lógica da justiça humana, que se resume ao castigo. A misericórdia e o modo com o qual Deus escolheu vencer o mal, é o limite que Deus coloca ao mal no mundo. Que em tudo possamos ajudar a ação divina em nós e em cada pessoa que nos é confiada. Amém!

 

Dom Pedro Carlos Cipollini – Bispo de Santo André

 

 

 

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