27/12/2020 – Igreja Matriz Santo Antonio de Pádua, em Santo André

Eclo 3,3-17; Cl 3,12-21; Lc 2,22-40

 

Minha saudação a todos os senhores presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas, seminaristas, irmãos e irmãs no santo batismo que nos faz membros da Igreja de Jesus, Igreja que é sua e nossa família.

Neste tempo depois do Natal a liturgia nos apresenta a Sagrada Família de Nazaré, local onde esta família viveu: Jesus o Filho de Deus, Maria sua mãe e José, esposo de Maria. Diz o Evangelho que a graça de Deus estava com Jesus e consequentemente com esta família bendita.

Com a encarnação do Verbo irrompe na história humana o Deus que é Luz e vida. O que Jesus traz à terra? Ele veio trazer a vida comunitária, a vida de comunhão entre nós que Ele experimenta na Trindade. Trindade que é sua e nossa Pátria.

A sagrada família é expressão maior desta vida comunitária que é constitutiva da Igreja, a grande família da fé. Igreja que peregrina na esperança, vivendo da caridade traduzida na prática em amor-serviço. Rezemos por todas as famílias!

No dia 05 de janeiro de 1964 o papa São Paulo VI visitou a Palestina e esteve em Nazaré. Neste local ele fez uma alocução na qual disse: “Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho”… Entre as muitas lições enumera uma que deve nos chamar a atenção: “Primeiro, uma lição de silêncio (diz o papa) Que renasça em nós a estima pelo silêncio, esta admirável e indispensável condição do espírito. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a meditação e a oração, ensina-nos a ter vida pessoal e interior

Esta é a lição da Sagrada Família para nós: Jesus vem trazer a vida comunitária ao mundo, o amor-comunhão. Porém, isto só é possível de existir entre pessoas que tem vida interior, vida espiritual, vida de fé enraizada no Evangelho. E a vida espiritual exige silenciar nosso coração.

Vivemos mergulhados no Mistério. Para nos guiar temos a luz da fé em Deus, para o qual até a noite é dia. Pela fé Ele nos dá forças para caminhar de esperança em esperança no meio desta neblina que tomou conta do mundo com a pandemia. Ficarão de pé os que tem vida interior, permanecerão firmes os que conhecem o que é comunhão com Deus e com os irmãos, os que experimentam a vida comunitária, mesmo que os encontros presenciais hoje estejam limitados.

É preciso ressaltar que nossa época de grande desenvolvimento tecnológico e científico, não favorece a vida em comunhão, quer na família, quer na comunidade cristã. O individualismo e o relativismo tomaram conta do coração de muitas pessoas.

Permitam-me citar uma psiquiatra católica, autora de best-seler. Ela descreve a incapacidade das pessoas em viver a vida comunitária: “na sociedade ocidental, a conduta psicopática tem-se incrementado de maneira assustadora nas últimas cinco décadas. Assim cotidianamente nos deparamos com crimes absurdos praticados por pessoas incapazes de conviver com os outros. As pessoas se transformam em simples meios para chegarmos a um fim, se tornam objetos. Cada um está voltado para si mesmo, preocupado apenas com o que é seu e desvinculado da realidade vital dos que estão ao seu redor (cf. A.B.` Barbosa Silva in Mentes perigosas, Ed. Fontanar, Rio, 2008, 185 – 187). Enfim, vivemos mergulhados na “banalidade do mal”, como descreve uma filósofa do século passado (cf. H. Harendt).

Neste contesto os cristãos são chamados, vocacionados a dar testemunho do amor. Amor que se revelou em Jesus Cristo. Amor que é base da família e vínculo da  perfeição. Amor que se expressa na bondade, humilde paciência e no perdão. A beleza deste amor salvará o mundo da feiura do egoísmo. Porque Deus é amor (1Jo 4,16) e o amor traz a paz aos corações transformados em casa da Palavra (cf. 2ª Leitura).

Na Igreja existem muitos dons. Carismas que sinalizam a presença redentora do amor atuante no mundo. As pessoas que recebem estes carismas os recebem para participar de forma mais intensa da missão de toda a Igreja, que é ser missionária do Reino de Deus. O diaconato permanente é um dom, um carisma recebido para o bem de toda a Igreja em primeiro lugar, e não daquele que o recebe. E aqui me dirijo ao que será ordenado diácono, e aos que serão admitidos oficialmente como candidatos à Ordem do Diaconato.

O exercício do diaconato está ligado radicalmente a ideia do serviço. O diácono recorda à Igreja a forma radical do ministério de Jesus Cristo que é serviço: “Eu vim para servir e não para ser servido” (Mt 20,28). Jesus mesmo deu a lição de servir quando lavou os pés dos apóstolos, imitando os escravos que assim faziam, e depois disse: “Assim como eu fiz façais também vós” (Jo13,15).

Na Igreja primitiva os diáconos foram muito corajosos pois, na cultura grega ser diácono, ser “servo”, era uma desonra. O filósofo Platão deixou escrito que “servir é algo indigno, pois, dominar e não servir é digno de um homem livre” (cf. in Górgias, 42b). Ainda existem cristãos que pensam assim, como pagãos. No cristianismo, servir é a tradução do amor de Deus e ao próximo até às últimas consequências, sem nada exigir em troca. Jesus é o Filho humilde que decidiu servir a Deus/Pai e aos irmãos.

O diácono possui um caminho próprio. Ele não é substituto do presbítero e nem deve ocupar o lugar do leigo. Compete ao diácono realizar um serviço fundamental na Igreja vivendo o serviço humilde da caridade a partir dos pobres. É este núcleo do seu ministério que dará sentido à sua pregação da Palavra e celebração dos Sacramentos, aqueles que são de sua competência.

São tarefas dos diáconos: o ministério da caridade nas obras sociais e administração dos bens temporais da Igreja, assistir matrimônios, ministrar o batismo, distribuir a Sagrada Comunhão, assistir aos doentes, o apostolado junto às famílias, a criação de pequenas comunidades, a assistência às periferias existenciais, presidir exéquias. Enfim, recebendo o primeiro grau do Sacramento da Ordem, o diácono permanente é constituído ministro da Caridade, da Palavra e da Liturgia.

Prezado filho em Cristo Renan exorto você hoje a cumprir as promessas que fará daqui a pouco, elas serão feitas a Deus diante da Igreja na pessoa do Bispo.

Permita-me recordar a você e também a todos os quinze irmãos que serão admitidos oficialmente como candidatos, para assumir um dia o diaconato permanente em nossa Igreja, o que diz São Pedro Damião, cardeal e doutor da Igreja em seu famoso livro intitulado Liber Gomorrhianus;  O clérigo só tem três modos de servir à Igreja: como missionário, como funcionário ou como mercenário (cf. “O livro de Gomorra”, Ed. Ecclesiae, 2019). Qual destes três tipos você escolheu? Deixo para você responder a Jesus, no íntimo de seu coração, mas suponho que seja o primeiro: missionário do Reino.

Como bom missionário, saia da mediocridade, seja decidido e perseverante no anúncio do Evangelho cuja mensagem é formar a família de Jesus que é a Igreja, sacramento do Reino. Você que tem a sua família que está aqui presente para te apoiar (sua esposa Ana Paula e suas filhas: Cecília e Maria Laura), a partir dela poderá ajudar a Igreja a ser mais Família de Jesus, acolhedora e missionária.  A ser “santuário da vida”. Ajude a Igreja a não se esquecer que sua essência é a vida de comunhão que brota da Trindade. Que você possa ter um fim de semana reservado exclusivamente para estar com sua família.

Escolha ser missionário e viverás da vida que o próprio Cristo Jesus, missionário do Pai lhe comunicará ao longo de tua vida terrena e no final dela poderás ouvir dele: “Vem servo bom e fiel, participar da alegria de teu Senhor” (Mt 25,21). AMÉM

 

 Dom Pedro Carlos Cipollini

Bispo de Santo André