FESTA DE SÃO LOURENÇO, DIÁCONO E MÁRTIR
10/08/2024
Leituras: 2Cor 9,6-10; Jo 12,24-26
Prezados irmãos e irmãs. Queridos presbíteros e diáconos, religiosos e religiosas, seminaristas e todos os que nos acompanham pela mídia de nossa Diocese. Sinto-me muito feliz de poder presidir esta Eucaristia, rendendo graças a Deus pelo padroeiro dos diáconos, o diácono São Lourenço e também agradecendo a Deus pelos nossos 40 diáconos permanentes, cinco dos quais eméritos. Nossa Diocese de Santo André é feliz de contar com vocês e com a pastoral que desenvolvem. Saúdo em especial as esposas, filhos e filhas que vos acompanham na missão.
Nesta data, fazemos memória do diácono e mártir Lourenço, que viveu em Roma no século III. Lourenço viveu a fé de um modo exemplar, dando testemunho de Cristo com bom humor e com muita ousadia. Não teve medo do martírio, e encarou de frente a morte, vendo nela a coroação de seus trabalhos em prol da Igreja.
Como temos, hoje, notícia deste diácono mártir? As fontes para a sua biografia são a Depositio martyrum (que o coloca no dia 10 de agosto) e o Martyrologium hieronimianum. Foi mártir, e seu corpo, sepultado na Via Tiburtina, numa cripta do cemitério que, mais tarde, tomou o seu nome. Junto a essa cripta, de acordo com o Liber Pontificalis, o imperador Constantino (+337) fez erguer uma basílica, ampliada quatro séculos depois, pelo Papa Pelágio II (579-590), ampliada mais ainda pelo Papa Honório III (1216-1227), como está hoje. O mártir Lourenço foi diácono do Papa Sisto II (257-258), como consta nas biografias sobre ele, escritas por Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Máximo de Turim. Mas quem era Lourenço?
Natural da cidade Huesca, na Península Ibérica (Espanha), onde nasceu, por volta do ano 230. Lourenço foi acolhido em Roma pelo Papa Sixto II, que o fez diácono e arquidiácono. Serviu a igreja de Roma durante uma das perseguições que o império Romano moveu à Igreja. Quando o Papa foi martirizado, com quatro dos seus diáconos, a seis de Agosto, recomendou a Lourenço a distribuição dos bens da Igreja aos pobres e profetizou-lhe o martírio. O que aconteceu no dia dez do mesmo mês. O imperador Valeriano fê-lo queimar sobre uma grelha.
São Lourenço, como arquidiácono era a segunda figura da hierarquia eclesiástica, logo após o Papa. Sendo os diáconos os conselheiros e colaboradores do Papa, num serviço idêntico ao que hoje prestam os cardeais da cúria romana, o arquidiácono administrava os bens da Igreja: dirigia a construção dos cemitérios para os cristãos, recebia as esmolas e conservava os arquivos da Igreja. Em grande parte, dependiam de seu trabalho ou ministério, a manutenção do clero romano, os confessores da fé, as viúvas, os órfãos e os pobres.
Quando o imperador o mandou entregar os bens da Igreja, Lourenço apresentou-se diante do juiz com os pobres de Roma, e declarou: “Aqui estão os tesouros da Igreja!”. O juiz mandou-o imediatamente torturar e executar. A sua Passio (paixão ou Atas do martírio) narra que, intimado a sacrificar aos deuses, como sinal de abandono da fé em Cristo, respondeu: “Ofereço-me a Deus em sacrifício de suave odor, porque um espírito contrito é um sacrifício para Deus”.
O juiz furioso mandou despojar o santo de suas vestis e ordenou que lhe dilacerassem o corpo com açoites e unhas de ferro. O mártir rezava, com o sorriso nos lábios… À noite, o imperador mandou estendê-lo sobre uma grelha de ferro sob a qual acenderam um fogo de carvões para o queimarem lentamente… O mártir virando-se para o tirano disse-lhe: «Estes fogos não são para mim senão refrigério, mas não será o mesmo daqueles que te atormentarão no inferno». Ao carrasco, dizia heroicamente: «Não vês que a minha carne está bastante grelhada deste lado, volta-me do outro». O santo, tendo rezado pela conversão de Roma e agradecido a Deus pela graça do martírio, expirou na paz de Cristo…
O segredo desta coragem é o amor pelo Salvador. São Lourenço desejava dar a Jesus amor por amor e sacrifício por sacrifício. Era feliz por se imolar pela conversão dos pagãos. Tinha pressa em ir para o céu encontrar o Salvador bem-amado. Deus talvez não peça de nós um semelhante martírio. Mas é certo que Jesus espera de nós uma grande generosidade nos sacrifícios quotidianos. Talvez não morramos de uma facada, mas de milhares de alfinetadas diárias….
O Papa São Dâmaso (+ 384) escreveu na inscrição que mandou colocar na basílica que lhe é dedicada: “Só a fé de Lourenço conseguiu vencer os flagelos do algoz, as chamas, os tormentos, as cadeias. Dâmaso suplicante enche de dons estes altares, admirando os méritos do glorioso mártir“.
Ao fazer memória dos mártires do século XX, São João Paulo II, ao comentar o Evangelho aqui proclamado (Jo 12, 25), dizia: “Trata-se de uma verdade que o mundo contemporâneo muitas vezes recusa e despreza, fazendo do amor por si mesmo o critério supremo da existência. Mas as testemunhas da fé não consideravam a sua vantagem, o seu bem-estar, a sua sobrevivência como valores maiores que a fidelidade ao Evangelho. Apesar da sua fraqueza, opuseram corajosa resistência ao mal. Na sua debilidade refulgiu a força da fé e da graça do Senhor” (Homilia no Coliseu em 07/05/2000).
Toda vez que fazemos memória de um mártir, somos convidados a refletir sobre nosso agir cristão e a nossa fé no Cristo. Jesus, mártir dos mártires, o primeiro a viver o martírio e mostrar que quem “faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna” (Jo 12,25).
O que é fazer pouca conta de sua vida?
Fazer pouca conta da vida não significa banalizar a vida, pelo contrário, significa conferir à vida um valor supremo e defendê-la até as últimas consequências. É defender a vida com a própria vida. É defender a vida dos nossos semelhantes com a nossa vida. Esse é um gesto estremado de amor ao próximo. Assim sendo, quem gasta a sua vida, se doando ao próximo, ganha a vida perante Deus e se torna semente caído na terra.
Por essa razão, a imagem da semente e da semeadura que aparece na parábola do Evangelho aqui proclamado, é apropriada para falar do martírio. Sabemos que se guardarmos uma semente ela não germinará e, com o tempo, apodrecerá. Por outro lado, se a semearmos, ela germinará e dará outras sementes, que por sua vez se multiplicarão em outras plantas, que gerarão outras sementes e outras plantas, num ciclo infinito de preservação da vida. É, portanto, a dinâmica da vida. Assim são aqueles que gastam a sua vida fazendo o bem, como fez São Lourenço.
A primeira leitura fala exatamente disso, ao usar a expressão “quem semeia pouco colherá também pouco e quem semeia com largueza colherá também com largueza” (2Cor 9,6). Quanto mais fizermos o bem aos nossos semelhantes, mais vidas serão preservadas e, assim, nos tornaremos grandes diante de Deus. As nossas ações revelam o que vai dentro de nosso coração. Cada um faz e dá aquilo que tem dentro de si. Quando cultivamos coisas boas dentro de nós, em abundância, nossas ações serão boas abundantemente.
Se fazemos pouco ou nada para o próximo é porque temos pouco ou nada de bom dentro de nós. São Paulo recorda na segunda leitura, que tudo o que fazemos de bom para os outros será recompensado por Deus. Portanto, vale a pena fazer da nossa vida uma constante doação, sendo uma semente colocada na terra. O Evangelho de João, único a trazer esta parábola, mostra que não podemos querer preservar a vida no sentido de nos furtar de ajudar o próximo, de não nos envolvermos para solucionar os problemas que atingem a humanidade.
A omissão em fazer o bem, em se comprometer, é também um pecado! Se assim fizermos, seremos grãos de trigo que não caem na terra; estaremos, portanto, fadados a morrer. Mas se nossa vida for uma constante do ação, mesmo que venhamos a morrer por causa disso, teremos vida para sempre junto de Deus, e o sangue derramado irrigará outras sementes para que a missão continue.
Quem vive em união com Cristo, entra no dinamismo do seu amor, e torna-se uma só coisa com o Pai. Servir o Filho é reinar com Ele no coração do Pai. Servir o Filho é associar-se a Ele na obra da redenção. O amor pelo Pai e pelo homem levaram Jesus a entregar-se até à morte, até ao dom da própria vida, para que todos tivéssemos vida. O grão de trigo, quando morre na terra, gera vida e torna-se fecundo. O discípulo de Jesus é chamado a viver o mesmo mistério de morte para gerar a vida e ser fecundo em favor dos seus irmãos.
São esses os exemplos dos mártires. Eles alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro, eles são sementes de trigo caídas na terra e que estão produzindo frutos. Foi assim com o diácono São Lourenço; é assim com todos os mártires de ontem e de hoje.
Que os exemplos dos mártires nos encorajem na missão, na certeza do cumprimento da promessa de Jesus: “Onde Eu estiver, aí estará também o meu servo” (Jo 12, 26).
Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André