Há em nosso país uma polarização que arruína as relações entre pessoas, e grupos divididos em nós e eles. Jesus no Evangelho dizia que: “O reino dividido dentro de si mesmo acaba em ruína” (Mt 12,25). Esta divisão emergiu com força e vem ganhando adeptos ao invés de diminuir. É uma crise social. Como toda crise tem seu lado positivo, podemos perguntar-nos: qual o lado positivo desta situação?
O lado positivo a meu ver é que ficou claro o que estava nos subterrâneos da sociedade brasileira. As causas são múltiplas e complexas, mas sem dúvida uma delas é nossa herança autoritária do tempo do Brasil colônia de Portugal. E principalmente os quatrocentos anos de escravidão, que dividia o país em andar de cima, para o qual as leis não existiam ou não funcionavam, e o andar de baixo, para o qual não havia direitos, mas somente deveres, inclusive o dever de se submeter ao andar de cima.
Os princípios que plasmaram a modernidade, quais sejam: liberdade, igualdade e fraternidade, chagaram tarde aqui. Graças a Deus progrediu-se, houve avanços no reconhecimento dos direitos quanto à liberdade e igualdade, mas a fraternidade não dá para legislar. Fica por conta da consciência de que estamos todos no mesmo barco e, se não houver unidade e fraternidade o barco afunda. Enfim, temos democracia política, mas não social, a qual supõe vida digna para todos e não só para uma parcela, a qual tendo o poder, barra os avanços do andar de baixo.
Ao contrário de antigamente, quando havia uma mentalidade que via como normal a sociedade dividida em privilegiados e esfomeados, e até muitos segmentos religiosos legitimavam esta situação. Hoje cresceu a consciência de que todos tem direito à vida como disse Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e vida plenamente” (Jo 10,10). E que o Estado está aí para promover a vida de todos e não para servir privilégios de grupos ou pessoas.
Esta polarização tem de positivo fazer emergir a doença crônica do Brasil. Feito o diagnóstico aponta-se os remédios que seriam a mudança de mentalidade. A busca de união para acabar com a fome, a violência e a miséria, o que é possível quando a sociedade e as pessoas exibem o melhor de si. Neste sentido somos um país com pessoas de inteligência e criatividade, capazes de fazer a diferença. Exemplo disto é o SUS, algo de que nosso país pode se orgulhar.
Mas o que é negativo desta polarização?
Como apontei no início, a partir do ensinamento de Jesus, que era um apaixonado pela unidade e fraternidade entre as pessoas, pois somos todos irmãos e filhos do mesmo Pai que está nos céus (cf. Mt 23,8). Se não superarmos esta polarização, nosso país entrará numa rota de destruição comandada pelos mais fortes, vai vigorar a lei da selva. E quando esta domina, o egoísmo tanto de pessoas como de grupos se sobrepõe. Assim não tem mais “nem lei nem rei”. Vence a corrupção, a mentira, a impunidade e a truculência como “modus operandi”, à direita ou à esquerda.
Por incrível que pareça, sociedades, as mais avançadas, entraram em decadência por não superarem esta polarização. O que está ruim poderá ficar pior, se não houver união, diálogo, convergência na busca do bem comum. Nossas potencialidades para isso não faltam, porém, é preciso uma conversão para abraçar a proposta de Jesus Cristo e seu mandamento de amar o próximo como expressão do amor a Deus.
“Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15) este é o apelo de Jesus que pode nos livrar da ruína. É preciso mudar enquanto ainda é tempo!
+Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André