Há pouco tempo, em razão do mês das vocações, discutia-se a respeito da vontade de Deus em nossas vidas. Conhecer essa vontade talvez seja o desejo mais íntimo do coração humano, principalmente daqueles que já se dispuseram a experimentar o amor do Senhor.
Somos manifestações d’Aquele que nos criou, por isso há, em cada homem, uma inclinação natural para Deus, um desejo de conhecê-Lo. E assim, conhecer Sua vontade nos dá a segurança de caminhar pelos caminhos preparados por Ele.
Mas como direcionar nossos anseios e desejos ao sonho de Deus para nós? O que o Senhor quer de nós e como percorrê-lo?
São questões bastante complexas, mas que fazem parte de um anseio existencial, pois a alma humana é permeada de desejos. Por isso mesmo, talvez seja importante refletir um pouco sobre em que consistem nossos desejos.
Uma percepção comum diz respeito ao desejo de ser aquilo que nos move e não nos deixa acomodar, que nos faz seguir sempre adiante e almejar a novas conquistas, seja na carreira profissional ou na vida pessoal. No entanto, há uma outra face da mesma moeda, que mostra as consequências adversas de desejos desenfreados, cujas buscas se orientam pelo egoísmo ou falta de discernimento.
De qualquer maneira, é possível perceber que a natureza do desejo exprime nada mais que a própria natureza humana, incompleta e sedenta de encontrar a verdade e a felicidade, que se encontram apenas no Senhor de toda a criação. O Catecismo da Igreja explica essa natureza como a marca de um “sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus” (§ 27). Falamos, assim, de uma existência humana e finita que tem sede do Infinito, uma sede que apenas Deus pode saciar. Por isso temos sempre um novo desejo e um novo anseio. Mal conquistamos algo, logo vemos que aquilo não nos completa e já passamos a querer outra coisa.
Acontece que nenhuma dessas vontades pode nos saciar, a não ser que cumpramos a vontade de Deus, porque assim nos aproximamos da fonte de água viva, de onde bebemos para nunca mais sentir sede novamente. Esse é o desejo do provisório por aquilo que é definitivo, portanto, apenas será saciado quando nos encontrarmos com o Deus infinito. Como diz Thomas de Koninck: “Trata-se de uma busca que não cessa porque ela sempre só alcança o finito, o inacabado, o imperfeito, que, por sua vez, chama, requer um outro […] e assim sucessivamente até o último outro possível integrado no absoluto que não pode ter oposto e que é Deus”.
A partir dessa percepção, temos que buscar a máxima intimidade com Deus, a fim de podermos discernir e conhecer Sua vontade para nós. E que alegria pode ser experimentada quando percebemos que já não fazemos nossa vontade, mas a de Deus!
Sim, porque muitas vezes nosso desejo não corresponde ao que o Senhor quer para nós, e nesse momento precisamos de coragem e maturidade para nos despir de nossos anseios finitos e perseguir um sonho divino, que será muito maior do que qualquer coisa que possamos imaginar, como nos garante o próprio Senhor, no livro de Isaías (55, 8-9): “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos”.
A exemplo de Jesus, podemos buscar cada vez mais intimidade com o Pai. Quantas vezes, nos relatos bíblicos, não vemos o Senhor se retirando do meio da multidão para orar, conhecemos o desenvolvimento de Suas orações e o fruto de Sua obra em meio ao povo? Eis a vontade de Deus acontecendo e saciando a sede de Seu povo com a água viva.
Assim também nós devemos ser instrumentos de Deus, totalmente entregues e fiéis, confiando que Seus planos para nós são os melhores que podemos perseguir. Como uma caneta, que não escreve por si mesma, podemos nos colocar nas mãos do Senhor e deixar que Ele escreva nossa história.
E como saber se estou fazendo a vontade de Deus? Essa resposta é complexa e delicada, pois essa segurança só é possível por meio de uma caminhada completamente despida de si e permeada de discernimento. No entanto, podemos considerar o conselho de Chiara Lubich e perceber aquela paz que toca nosso peito e sabemos ser um sinal do Senhor: “É preciso ouvir bem dentro de nós uma voz delicada, a qual, muitas vezes, sufocamos, e que se torna quase imperceptível. Mas se a ouvirmos bem, é a voz de Deus. Ela diz-nos que aquele é o momento de estudar ou ajudar quem tem necessidade, de trabalhar, vencer uma tentação ou cumprir um dever de cristão, de cidadão. Convida-nos a dar atenção a alguém que nos fala em nome de Deus, ou a enfrentar com coragem situações difíceis.
Temos que a ouvir. Não façamos calar essa voz, ela é o tesouro mais precioso que possuímos”. O que Deus quer de nós hoje? Qual a Santa Vontade para nossa vida? E, enfim, estamos dispostos a silenciar todos os nossos desejos, a não ser que sejam os mesmos do Senhor?
Sabemos que a paz do Senhor é uma paz inquieta e, como nos indica o salmista (Sl22), Seus caminhos são seguros, mas podem passar pelo vale da sombra da morte, e o banquete que Ele nos prepara está à vista do inimigo, ou seja, para cumprir com a vontade de Deus, é necessário passar por tribulações, para que possamos voltar à santidade de Sua criação, sem a corrupção do pecado. Contudo, tenhamos sempre uma certeza: a vontade de Deus nunca nos levará onde Sua graça não possa nos proteger.
Artigo desenvolvido pela revisora Thiele Piotto.