“Vidas Negras Importam!”. Essa foi uma das frases mais entoadas pelos participantes da Santa Missa pelo Dia Nacional da Consciência Negra na Diocese de Santo André, que reforçaram a luta contra o racismo estrutural no país e a defesa de iniciativas e políticas públicas em prol da igualdade racial, na celebração realizada na tarde de sexta-feira (20/11), na Catedral Nossa Senhora do Carmo, no Centro da cidade andreense.
O assessor diocesano da Pastoral Afro Brasileira e pároco da Santa Luzia e São Carlos Borromeu (Região Santo André – Centro), Padre Edmar Antônio Jesus presidiu a missa, que atendeu a todos os protocolos de saúde implementados no combate à pandemia da Covid-19, como o distanciamento social de dois metros, o uso de máscaras e álcool gel, bem como a presença dos fiéis reduzida a 30% da capacidade da igreja.
A celebração contou com a animação e participação de integrantes da Pastoral Afro, que aproveitaram a ocasião para levantar as bandeiras da justiça social, do respeito e das oportunidades iguais para negros e brancos em todos os setores da sociedade.
Durante a procissão de entrada, banners com a bandeira do Brasil com a descrição “Vidas Negras Importam”, da Pastoral Afro, do Zumbi dos Palmares e a imagem da Mão Negra Aparecida representaram essa unidade de luta contra o racismo tão desejada em nossas comunidades. Nas intenções das missas e nas preces dos irmãos também foram recordados mártires que lutaram contra as injustiças e doaram as vidas por um mundo mais fraterno e sem violência, bem como orações para que qualquer tipo de preconceito seja eliminado da sociedade.
“As desigualdades sociais entre negros e brancos são gritantes e apresentam dados cada vez mais dramáticos. A vida dos afrodescendentes segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é muito mais marcada por privações de liberdade que a dos brancos. Basta um mínimo de sensibilidade e observação que vemos os negros vivendo em habitações mais precárias, estudando em escolas sem a qualidade ideal de ensino em todas as fases, que inclusive os levou a luta pelas cotas nas universidades federai”, sintetiza Pe. Edmar.
O sacerdote complementa que é necessário assumir lado neste combate ao racismo: “Também tem sido um mantra, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista, ou seja, assumir de fato uma posição, uma luta ao lado da comunidade negra contra todo tipo de racismo e as suas formas que se manifestam. Neste sentido também sensibilizar e chamar a responsabilidade todos os setores da sociedade”, conclama.
Leia e reflita sobre a homília do Pe. Edmar Antônio de Jesus:
Meus irmãos e minhas irmãs! Venho deixar uma mensagem para nós em função da celebração do dia 20 de novembro, como Dia Nacional da Consciência Negra. A dura realidade, mesmo nos tempos atuais, não consegue matar a esperança do povo negro, que continua com uma visão otimista, realista e esperançosa do mundo, do tempo e da história.
Aspirando por transformações, não caminha sozinho, pois as comunidades negras são hoje para a Igreja Católica e para a sociedade, autênticas reservas de esperança e alegria cristã.
A negritude no Brasil sempre foi uma experiência de resistência e de luta pela conquista da cidadania. Tornar-se cidadão e ter a liberdade de exercer seus direitos, sem ser discriminado ou colocado à margem sem relevância de participação no cumprimento dos direitos e dos deveres, sempre foi a bandeira de luta do povo negro. O grande desafio hoje para o povo afrodescendente em nossos dias é viver sua cidadania de resistência numa sociedade que sempre esteve planejada sob a ótica do branco, negando e desqualificando o viver do cidadão negro.
Assumindo a sua cidadania no percurso da história é possível entender o que é assumir a sua negritude. O povo negro afirma todas as possibilidades de reconstruir uma verdadeira sociedade de cidadãos, e não mais de escravos.
As desigualdades sociais entre negros e brancos são gritantes e apresentam dados cada vez mais dramáticos. A vida dos afrodescendentes segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é muito mais marcada por privações de liberdade que a dos brancos. Basta um mínimo de sensibilidade e observação que vemos os negros vivendo em habitações mais precárias, estudando em escolas sem a qualidade ideal de ensino em todas as fases, que inclusive os levou a luta pelas cotas nas universidades federais.
Tudo isso sem falar na violência policial que se abate cotidianamente sobre os jovens negros confirmando cruéis e desumanos atos que ocorrem diariamente no Brasil e no exterior, como acompanhamos recentemente.
Portanto é preciso uma grande mobilização. Primeiro dos negros e negras e de todos aqueles e aquelas que lutam contra o racismo e contra os racistas e suas consequências trágicas.
Também tem sido um mantra, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista, ou seja, assumir de fato uma posição, uma luta ao lado da comunidade negra contra todo tipo de racismo e as suas formas que se manifestam. Neste sentido também sensibilizar e chamar a responsabilidade todos os setores. Os governos, o pode judiciário, o poder legislativo. As empresas, as lideranças religiosas, politicas, artísticas para enfrentar e superar este terrível mal chamado racismo, que subtrai as oportunidades aos afrodescendentes e inviabiliza o pleno desenvolvimento da sociedade, tendo em vista que para o exercício da cidadania é necessário, antes de tudo, o respeito a origem do ser humano e a negritude, que faz de nós homens e mulheres livres e apaixonados pela nossa sociedade e a nossa capacidade de contribuir na construção de uma sociedade justa, fraterna e obviamente cristã, já que neste chão tem as mãos de negros e negras que deixam para nós este legado.
Entendemos que afirmar a negritude e viver a cidadania hoje é assumir uma postura cristã, como nos diz o apóstolo São Paulo na Carta aos Gálatas (3:28): “Não há mais nem judeu, nem grego. Já não há mais nem escravo, nem homem livre. Já não mais o homem e a mulher, pois todos vós sois um só em Jesus Cristo”. Todos nós somos cidadãos.
Hoje são reconhecidas as diversas iniciativas e ações conquistas pelo povo negro, como as políticas de ações afirmativas, a criação das chamadas secretarias de igualdade racial, o reconhecimento das terras de comunidades quilombolas, o estatuto da igualdade racial, a lei de cotas, enfim, tudo isso faz entender que nestas conquistas estão a afirmação da negritude e a consciência da cidadania, que marcam a identidade do povo afrodescendente. Pois, só derrubando dos tronos, os poderosos, e elevando os humildes é possível reconhecer e dizer:
Vidas Negras Importam!
Mojubá! Axé! O Deus que me abençoa vos abençoe, meus irmãos e minhas irmãs!
Sobre o Dia da Consciência Negra
O Dia Nacional da Consciência Negra parte do calendário escolar desde 2003 e oficialmente instituído como lei no ano de 2011. Tem como objetivo mobilizar ações sobre o combate à discriminação racial, bem como promover a ideia de integração da população negra na sociedade, lutando contra a desigualdade social e a exclusão.
No entanto, as celebrações desta data já aconteciam desde a década de 1970 com a participação de movimentos sociais na luta contra o racismo. A data de 20 de novembro foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de um dos maiores líderes negros do Brasil, Zumbi dos Palmares, no ano de 1965, devido a sua importância na luta pela libertação do povo contra o sistema escravista.