Catedral Nossa Senhora do Carmo – Santo André – 09 de novembro de 2015
Saúdo a todos os irmãos e irmãs aqui presentes que vieram celebrar a Eucaristia, nosso Encontro com o crucificado que é o ressuscitado: Jesus, o Filho de Deus, Caminho, Verdade e Vida. De modo especial saúdo o Dom Nelson, ( ) e todas as pessoas, que aqui estão e que conviveram com Dom Jorge, cujo centenário de nascimento hoje comemoramos com ação de graças elevada a Deus.
Estamos reunidos aqui no dia em que a liturgia da Igreja celebra São Leão Magno, bispo de Roma e papa da nossa Igreja. São Leão foi chamado de grande por sua grande humildade e sabedoria profunda que o levou a realizar grandiosos feitos em benefício do Povo de Deus. Por coincidência, comemoramos o centenário de nascimento de outro grande bispo, este de Santo André, que realizou em seu itinerário de vida a façanha de implantar nossa Igreja Particular, nos trinta e cinco anos que aqui passou. Podemos dizer com certeza que Dom Jorge Marcos de Oliveira, em seus anos de episcopado aqui passados, foi o instrumento de Deus para fazer fincar raízes a Diocese de Santo André, que lhe tem gratidão imorredoura.
Dom Jorge nasceu em 10 de novembro de 1915 no Rio de Janeiro. Foi ordenado padre aos vinte e cinco anos de idade. Com apenas trinta e um anos foi eleito bispo auxiliar do Rio de Janeiro, onde trabalhou por seis anos. Foi nomeado o primeiro bispo de Santo André em 12 de agosto de 1954. Tomou posse em 12 de setembro do mesmo ano, em meio a uma grande festa na praça da catedral. Aqui permaneceu como bispo por vinte e um anos. Durante seu fecundo pastoreio, a Diocese de Santo André, composta pelos sete municípios do Grande ABC, nasceu, cresceu e floreceu. Os problemas desta região foram entrelaçados à vida de nossa Igreja Particular que o jovem bispo conduziu sem poupar esforços: entregou sua vida, sua juventude, de corpo e alma, na missão que lhe foi confiada. Fez tudo por amor a Cristo e aos irmãos, em especial os pais pobres.
Homem de inteligência refinada, sensível ao sofrimento do próximo, viu seu espírito missionário apurado pelo Concílio Vaticano II do qual participou. Foi dedicado no trabalho com os jovens, os operários e trabalhadores e sobressaiu-se no empenho pelas vocações sacerdotais. Trabalhou incansavelmente pelo Evangelho. Das dezesseis paróquias que encontrou na diocese recém criada, deixou 74 paróquias ao terminar seu pastoreio. Em 18 de março de 1956 criou a Associação Lar Menino Jesus que é símbolo de toda sua preocupação social, no sentido de evangelizar juntamente com a promoção da pessoa humana.
Este foi o grande legado de Dom Jorge, ou seja, a convicção de que a evangelização deve caminhar junto com a promoção humana. Em 1974 o Papa Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, iria confirmar duas intuições profundas de Dom Jorge, ao afirmar para toda a Igreja que “Só o Reino de Deus é absoluto, e faz com que se torne relativo tudo o mais que não se identifica com ele” (EN n. 8); E ainda: “Entre evangelização e promoção humana, desenvolvimento e libertação, existem de fato laços profundos: laços de ordem antropológica, dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e econômicos” (EN n. 31). Por tudo isto ele foi um dos fundadores e depois presidente da diretoria da Federação das Entidades Assistenciais de Santo André.
Dom Marcos destacou-se por sua coragem. A ele se poderia aplicar o dito de Plutarco: “O homem verdadeiramente corajoso não busca perigos, mas enfrenta-os. Dom Jorge soube enfrentar os perigos em sua missão de pastor e profeta na realidade conflitiva do Grande ABC dos imigrantes e das fábricas, das lutas operárias e da luta por vida digna. Ele foi o competente timoneiro da barca da Igreja de Santo André em tempos difíceis, tempo do desenvolvimento industrial, da ditadura militar e da explosão demográfica no Grande ABC. Bendizemos a Deus pela vida de Dom Marcos, este homem de fé, estudioso e culto, alegre e popular, que passou entre nós como Jesus: “fazendo o bem” (At 10,38). Foi um homem de Deus, verdadeiro “dom”.
A palavra de Deus aqui proclamada, da primeira leitura tirada do livro da Sabedoria ( Sb 2,23-3,9) nos fala que o homem, imagem de Deus foi criado imortal. Para quem não tem fé a morte é uma fatalidade devastadora, mas para o homem de fé, a morte é a porta pela qual se entra na vida. Assim a esperança da imortalidade anima o homem justo, assim como animou Dom Jorge, o qual deixou escrito: “Ó meu Jesus, que vosso último suspiro, entrada dolorosa nos domínios da morte, guarde minha vida para a Vida eterna” (03 de fevereiro de 1956). A vida projetada além da morte, projetada para a conquista de uma eternidade feliz, dá um sentido novo a toda nossa existência. À luz da imortalidade feliz com Deus, tudo se torna provisório e neste provisório, somos convidados a agir em favor daquilo que permanece para sempre: o reinado do amor, o reinado de Jesus Cristo. Foi o que fez Dom Marco que escolheu como lema de seu episcopado: omnia in Cristo (tudo em Cristo, tudo por Cristo).
É na fé, alimentada pela oração contínua, que nasce o abandono nas mãos de Deus, abandono que infunde a coragem necessária para superar o medo, esperando com confiança o dia do encontro com o Senhor. Viver assim, é aprender a abrir-se ao mistério, mistério do Deus infinito, mistério do qual a morte é a sentinela. E aqui se descobre a força da oração, oração que sustentou o ministério de Dom Jorge mais conhecido como homem de ação. Porém ele deixou escrito: “A oração para nós cristãos está colocada como fonte de energia que ampara, com a graça divina o nosso trabalho. Ela é indispensável em sua maior intensidade, à vida da Igreja” (entrevista concedida em 1970). São aplicáveis à vida de Dom Jorge as palavras finais do trecho aqui proclamado na primeira leitura: “Os que nele confiam compreenderão a verdade, e os que perseverarem no amor ficarão junto dele, porque a graça e a misericórdia são para seus eleitos”.
O Evangelho (Lc 17,7-10) nos fala do serviço a Deus. Todo aquele que é batizado é servidor de Deus, mas sobretudo os batizados que receberam a unção sacerdotal se tornam duplamente servidores de Deus, porque são constituídos servos dos servos de Deus. E foi assim que Dom Jorge compreendeu seu ministério episcopal. O evangelho nos mostra que o serviço de Deus é dever do batizado que fixa relação de absoluta dependência do cristão para com Deus, a exemplo dos servidores de Deus que são mostrados, na Sagrada Escritura e na história de nossa Igreja, como São Leão Magno que hoje celebramos. O autêntico serviço a Deus é sem trégua, sem descanso, sem renda, nunca termina e compromete por toda a vida, aquele que não quer ser funcionário, mas servidor do Reino por amor. E assim foi Dom Jorge. Mas no fim da vida recomenda Jesus: devemos nos considerar servos inúteis.
Choca-nos ler estas palavras do Evangelho no contexto das reivindicações salariais de nosso tempo. Mas o que Jesus quer dizer é que não se trabalha para o Reino de Deus como se fosse um funcionário, ou operário de uma fábrica. Trabalha-se pelo Reino de Deus por amor somente! E aí entra a gratuidade a única moeda que existe no âmbito do Reino de Deus. E o grande exemplo que temos é Maria a mãe de Jesus que disse: “Eis aqui a serva do Senhor”. Da fé, da contemplação profunda e do silêncio de Maria, Deus fez brotar a Palavra eterna Jesus Cristo, Verbo de Deus, palavra libertadora. Com esta serva tão humilde e simples, teve início a única e verdadeira revolução da humanidade. E Dom Jorge foi devoto de Maria deixando nesta catedral, projetado por ele este altar que se sustenta no marmóreo monograma de Maria ( AM).
Dom Marcos foi devoto de São José em cuja igreja em Mauá celebrou sua última missa e, em cujo altar está sepultado aqui nesta catedral. No dia 28 de maio de 1989 Dom Marcos que já estava debilitado pela saúde, após sofrer infarto, e já havia se tornado emérito, veio a falecer na chácara onde residia. Estava cansado e doente, mas como a vela que se consome brilhava mais no fim deste consumir.
Hoje comemorando os cem anos de nascimento de Dom Jorge, parece-nos que ele se torna maior com o passar do tempo, pois o tempo é juiz verdadeiro. A ele gostaria de aplicar o verso de Fernando Pessoa quando diz:
“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim, em cada lago a lua toda brilha, porque alto vive”
(Ficção do interlúdio/Odes a Ricardo Reis {414} 14.02.1933)
Enfim, o legado maior de Dom Jorge Marcos foi a caridade movida pela misericórdia que sabe debruçar-se sobre o sofrimento do próximo. Assim termino com suas palavras do próprio Dom Jorge: “Qual minha maior vitória? Se é que se pode falar assim, minha maior vitória foi ver engrandecido esse ideal de defender os pobres, os assalariados, os operários, todos aqueles que precisam” (em 19/09/1984). Bendito seja Deus pela vida de Dom Jorge Marcos de Oliveira. A vida que teve entre nós, e a que está tendo com Deus por toda a eternidade. Amém!
Dom Pedro Carlos CIpollini
Bispo Diocesano de Santo André – SP