A notícia de uma pessoa que tira a própria vida constitui inquietante pergunta para nós. Que sentido tem este gesto? De que motivação surgiu? Que mensagem contém? Quase sempre o suicida deixa-nos um profundo sentimento de culpa, no qual ele sobrevive. Deve-se pedir a uma pessoa, que não vê mais o sentido da vida, que continue vivendo? A morte pode ser uma desgraça, mas continuar vivendo em certas circunstâncias não pode ser uma desgraça maior ainda? Esta é uma pergunta que a cultura atual torna cada vez mais dramática.
Setembro amarelo é o nome da campanha brasileira iniciada em 2015 para prevenção ao suicídio, atualmente a segunda causa da morte de jovens entre 15 a 29 anos. Várias entidades promovem esta campanha, entre elas o Centro e Valorização da Vida (CVV). A motivação maior desta campanha é a preservação da vida. Escreveu o filósofo Jean Jacques Rousseau: “O suicídio é um roubo ao gênero humano”. Por isso é louvável que se fale, escreva e divulgue a realidade da prática do suicídio que vem aumentando, mas continua um assunto tabu na sociedade.
Aspecto decisivo em relação ao suicídio parece ser o isolamento. É o indivíduo em estado de solidão que se suicida, aquela solidão interior principalmente. Este sentimento de estar só e não poder contar com mais ninguém. O suicídio tende a aumentar, quanto maior é a falta de convivência mínima numa comunidade, por menor que seja, como uma família nuclear por exemplo.
Habitualmente o suicídio é motivado por fuga e desejo de libertação de um estado de angústia. É um ato de desespero por falta de uma resistência considerada impossível. Configura-se como ato de expiação ou um último ato de liberdade. Ás vezes o suicídio pode ser um ato agressivo que investe contra pais, cônjuges, filhos, presumidos culpados pelo sofrimento do suicida. Regularmente, o suicida não busca a morte como tal, mas como solução dos problemas da vida que se tornaram insuportáveis.
Já na Grécia antiga Pitágoras afirmava: “Não podemos abandonar o posto sem permissão do que manda. E o posto do homem é a vida”. Na cultura romana o advogado Cícero afirmava: “O deus que em nós impera proíbe que partamos sem seu consentimento”. Portanto, o cristianismo vai ao encontro e leva avante esta intuição do mundo pagão quanto a sacralidade da vida. Mesmo em meio àquela realidade na qual o suicídio em muitos casos era tido como heroísmo.
Do ponto de vista da ética cristã, nega-se a liceidade moral do suicídio com base na soberania de Deus, criador e senhor da vida e da morte: o homem é o administrador de sua existência, jamais seu dono, que possa dar-lhe fim conforme o seu bel-prazer. A vida do homem não é mero acontecimento físico, que adquire seu significado mais profundo como história de liberdade individual.
Em nossa sociedade o outro é mero consumidor, rival. O diálogo e a aproximação das pessoas é insignificante. A vida em comunidade mais diluída e, portanto, a proximidade entre as pessoas desaparece. Estamos na “era do vazio” dizem alguns, em meio a tanta tecnologia e informação.
Refletindo este tema somos convocados não só a dizer um não ao suicídio, demonstrando sua grave negatividade. Muito mais, somos convocados a trabalhar para superar o cansaço generalizado da vida, que induz à negação de si mesmo. É preciso recuperar a vida comunitária, a proximidade, a amizade. E aqui não podemos deixar de sinalizar o valor da família. É preciso também, rever o processo educacional a fim de que forme pessoas de caráter, capazes de enfrentar os revezes da vida.
Termino expressando uma convicção pessoal. Nossa sociedade caminha para uma realidade na qual “Deus é possível, mas não necessário”. Somente a percepção dos valores fundamentais que dão sentido à vida, pode dar ao homem a força de suportar também as provas mais dramáticas. Só a fé supera o desejo de morte do suicida, porque dá a certeza de que a última palavra é da vida.
Podemos afirmar então que a prevenção mais eficaz para o suicídio é de ordem moral e religiosa.
Artigo desenvolvido por Dom Pedro Carlos Cipollini para o jornal Diário do Grande Abc