Não se pode ceder ao saudosismo que diz ter sido melhor o ontem do que o hoje. O realismo impõe admitir que em todas as épocas existiram pessoas boas e más, circunstâncias que ajudaram a construir um mundo melhor, e outras, que de forma negativa contribuíram para o atraso.
Por outro lado, a noção grega do eterno retorno que entregava a sorte do mundo a um destino inexorável, um mundo “semper idem”, não é uma ideia correta diante das transformações pelas quais passamos de algumas décadas para cá. A humanidade se move, caminha e por isso tem marcha, contramarcha, marcha a ré. Tem saudades de etapas superadas. Refiro-me à volta do paganismo em nossa sociedade que aos poucos vai rejeitando os princípios cristãos. Pagão era a denominação das pessoas que moravam no campo (pagus), e que não tinham tido oportunidade de receber a mensagem cristã, ou que a rejeitavam.
Em um mundo violento como aquele do Império Romano, no qual o Estado legislava sobre a justificação do infanticídio, e era legal divertir-se nos circos jogando pessoas para serem devoradas pelas feras, é inegável a contribuição do cristianismo para a existência de uma sociedade mais justa e fraterna. O cristianismo introduziu a ideia da sacralidade da vida humana, da compaixão para com os fracos e sofredores, o milagre da partilha dos bens, nas comunidades onde as pessoas se queriam como irmãos e irmãs. Propôs um novo relacionamento entre o homem e mulher, fundado no amor. O cristianismo colocou Deus acima dos demais valores, até o martírio. De fato, o que faz o mártir não é seu sofrimento, mas sua causa e no cristianismo o Reinado de Deus é a causa do cristão.
O neopaganismo se faz sentir na atualidade através do reinado absoluto do dinheiro, do lucro, após decretar a morte de Deus e o fim da ética. A erotização de todos os setores e etapas da vida, o individualismo, a droga e violência estão na pauta do dia-a-dia. E agora entra também o suicídio como último refúgio do absurdo da vida sem amor. O homem se olha no espelho e exclama: sou Deus para mim mesmo! O ser humano não só pensa, mas “faz sua verdade”, e pretende por e dispor da vida como se fosse seu autor. A banalização da vida humana, eis o traço mais característico do que parece ser uma recaída no paganismo antigo travestido de modernidade. Nossa civilização, dominada pelo racionalismo iluminista decretou a “morte do Pai”: a razão nos liberta de tudo e de todos, não precisamos mais de autoridade! A morte de Deus (Pai), foi colocada como condição para a felicidade do homem. Este deve pautar sua vida pelo secularismo e ateísmo prático. É “proibido proibir”, o que vale é o “politicamente correto”.
A globalização sem solidariedade está criando dois mundos antagônicos: o mundo dos ricos no qual se morre de tédio e o mundo dos miseráveis no qual se morre de fome. Como não pensar na vida condenada de milhões de pessoas, especialmente crianças sujeitas à fome e à desnutrição, causada pela iníqua distribuição de riquezas entre povos e classes sociais? Os crimes ecológicos e a violência institucionalizada? Desencadeia-se uma “conspiração contra a vida” em uma civilização de morte.
A sociedade sem a figura do Pai (Deus) resulta em uma multidão de solitários, faz surgir o “pensamento fraco” em uma “sociedade líquida” que gera vazio. O vazio é a antessala da morte.
A situação está assim, mas não impede os cristãos de celebrar a vida com esperança renovada, como celebravam durante o Império Romano perseguidor. Mais que nunca a missão do cristão hoje é transmitir a esperança que brota da fé. Como diz o poeta: “Está escuro mas eu canto”.
Com o Ressuscitado vencedor da morte, o mundo sempre volta a começar, pois na escuridão brilhou uma luz que ninguém poderá apagar. É o mundo de Deus que cresce em meio ao paganismo, cresce no coração das pessoas de boa-vontade. É a semente de mostarda, escondida muitas vezes, mas que frutificará cem por um e se alastrará a partir daqueles que sabem dar esperança ao mundo. Deus está construindo Jerusalém (Paz) com os escombros da Babilônia (Violência). A fé e a caridade são virtudes teologais, mas não atuam sem sua irmã menor: a esperança. Também esta é virtude teologal, que une as duas outras, na construção do mundo novo, projetado por Deus: o mundo à luz da Páscoa!
*Artigo escrito por Dom Pedro Carlos Cipollini para o jornal Diário do Grande ABC