Qual mistério da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo é mais importante litúrgica e espiritualmente: a sua encarnação (Natal) ou a sua ressurreição (Páscoa)? Muitas vezes, por conta da prática dos fiéis, parece ser o Natal, uma vez que essa data tem sempre uma riqueza maior de detalhes em sua preparação: compram-se roupas novas, dão-se presentes aos familiares e amigos, preparam-se fartas ceias. É a festa onde toda a família se reúne, geralmente na casa do patriarca ou da matriarca (se é que isso ainda não caiu em desuso, infelizmente), que às vezes, não se vê durante todo o ano. Contudo, a ressurreição do Senhor traz aos crentes um mistério muito mais profundo que a encarnação. Não se pode negar que o fato de Deus ter-se feito uma criança frágil e indefesa, seja bastante admirável. No entanto, o mistério da Morte e Ressurreição de Deus é algo mais incompreensível ainda, e daí mais grandioso. Mas não é porque a Páscoa é mais importante que o Natal, que as duas solenidades estejam desconectadas ou sejam concorrentes. Na verdade, tanto a encarnação como a ressurreição falam do amor de um Deus que se põe em nossas mãos para nos salvar. A fragilidade do Deus menino é a mesma fragilidade do Deus crucificado, tal como o amor salvífico se demonstra nas duas ocasiões.
Sendo então a Páscoa tão importante assim para a vida de fé dos cristãos, ela é precedida por toda uma semana extremamente especial e rica de conteúdo espiritual, litúrgico e simbólico. Desde o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, até o Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor, a liturgia católica convida os seus fiéis a viverem um intenso momento de conversão e reconciliação com o nosso Soberano Criador. A intenção desse artigo não é explicar os ritos das celebrações dessa semana, mas apontar algumas sugestões de como viver profundamente cada um desses momentos, pensando sempre no enriquecimento da vida de fé. É muito triste ver as filas quilométricas de carros nas rodovias em direção ao litoral, enquanto as filas em direção ao confessionário cabem dentro da igreja. O cristianismo nunca foi contra a diversão, pois como dizia São Francisco de Assis, “um cristão triste é um triste cristão”. O problema é que a Sexta-Feira Santa deixou de ser um dia santo e passou a ser um feriado, tal como o dia da Independência. Ou seja, as pessoas não veem a hora de chegar à sexta-feira, para curtir o feriado prolongado em sua casa de praia. Mas o objetivo aqui, também não é criticar a prática de alguns fiéis, e sim propor formas de se viver melhor esse tempo. Quero então falar de três práticas cristãs muito importantes: o recolhimento, a oração e a penitência.
Num mundo com cada vez mais opções de distração, e cada vez mais avesso ao silêncio e à sadia solidão, recolher-se é um exercício cada vez mais fundamental. É o próprio Senhor que nos ensina tal prática, pois nos evangelhos vemos como Jesus se recolhia antes de momentos importantes. Antes de começar sua pregação na Galileia, Cristo vai ao deserto; antes de entregar-se para ser julgado e condenado à morte, Jesus vai ao Horto das Oliveiras. Esse momento de solidão se faz necessário para que cada pessoa empreenda um exame de consciência, não só sobre o seu dia, mas sobre a sua vida. Gosto muito de me fazer as seguintes perguntas: “eu sou feliz?”, “eu estou contente com a vida que tenho levado?”, “eu tenho feito a vontade de Deus em minha vida?”. Cada indivíduo precisa responder sozinho a essas perguntas a si mesmo.
Diferentemente da meditação de outras religiões ou filosofias de vida, o recolhimento cristão se dá em profundo espírito de oração. Se eu for responder àquelas perguntas acima sem a ajuda de Deus, eu posso cair na tentação de responder como eu quero e não como é a realidade. Na oração, entramos em contato com a Sagrada Escritura, e ela ilumina a nossa consciência para entendermos o projeto de Deus para a vida do ser humano. Além disso, no exercício de por diante de Deus todas as alegrias e sofrimentos que se está vivendo, o Espírito Santo vai nos conduzindo na organização mental do que devemos fazer para colaborar com a ação divina em nossa vida.
Mas o recolhimento cristão não é diferente do secular somente por conta da oração; é também principalmente uma questão de penitência. Diz Jesus: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação; pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26,41). Essa frase pode ser interpretada da seguinte forma: a nossa inteligência sabe que devemos praticar atos de virtude e evitar atos viciosos, mas o nosso corpo prefere muitas vezes o prazer do vício do que a dor da virtude. Daí que esse recolhimento orante durante a semana santa, deve ser encarado como uma penitência, uma forma de mente e corpo estarem unidos na mesma direção.
E qual o objetivo desses três exercícios? Diz São Paulo: “E, se já morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele” (Rm 6,8). A essência do cristianismo é a configuração do discípulo à pessoa do mestre. Jesus passou por todos os mistérios que recordamos na semana santa por amor a nós e pela nossa salvação. Nós também devemos nos recolher em oração como forma de penitência, para que nosso corpo e nossa mente se convençam de que devemos abandonar o pecado e viver a vontade do Pai Celeste. Essa é a vontade do nosso Criador: que nós usemos cada dia da nossa vida aqui na terra para amá-lo e glorificá-lo através do esforço cotidiano de praticar as virtudes cristãs. A semana santa pode e deve ser momento propício de conversão e reconciliação, como que um fechamento de todo o tempo quaresmal. Mas como a sabedoria da Igreja nos ensina, esses tempos fortes do ano litúrgico devem nos ajudar a dar o primeiro passo rumo à santidade, mas é no cotidiano que buscamos a santidade de vida, representada no grande tempo comum.
*Artigo desenvolvido por Rafael Ferreira