“Não existe pecado do lado de lá do Equador…”, cantava-se tempos atrás. Com o avanço da psicologia e psiquiatria, estudadas nas Faculdades e aplicadas nos consultórios, o pecado caiu de moda. Deus morreu, sentenciou o filósofo. Com seu desaparecimento, já que o pecado é desobediência a Deus, o pecado acabou. Esta é a reação a um moralismo excessivo, antievangélico de tempos passados, no qual a ideia de pecado era usada não raro, para que, através do medo, a obediência fosse praticada. Isto sim é hoje superado no ensinamento e pastoral da Igreja. Necessitamos cautela ao falar da culpabilidade da pessoa, levando-se em conta condicionamentos psicológicos e sociais, sim. A liberdade do indivíduo é misteriosa e, por isso, Cristo proíbe condenar as ações dos outros: “não julgueis e não sereis julgados”(Mt 7, 1).
Porém, o pecado existe. A Bíblia, do começo ao fim seria incompreensível, se não existisse o pecado como recusa do homem ao amor de Deus. Jesus é apresentado como aquele que tira o pecado do mundo (cf. Jo l,29), diz que não veio chamar justos mas pecadores (cf. Mc 2,17). Mais que teorizar sobre o pecado, Jesus o enfrenta. Mostra que o pecado é mal por excelência, corrompe, fazendo as pessoas se enfrentarem em lutas mortais, no esquecimento de Deus.
Podemos caracterizar o pecado como “aversão a Deus e conversão às criaturas”, as quais, acabam tomando o lugar de Deus no coração da pessoa, degradando sua vida. Com esta troca, instala-se uma frustração fundamental que arruína a pessoa no seu ser moral, impossibilitando a convivência feliz da pessoa consigo mesma, com os outros, com a natureza e com Deus. Negando-se ao amor para o qual foi criada a pessoa fica desequilibrada em todo o seu ser. Na grande Tradição da Igreja os pecados são resumidos na sua visibilidade e conseqüências como capitais, ou seja, são sete cabeças: soberba, vaidade, luxúria, ira, gula, preguiça, avareza.
Numa época de incrível inter-relacionamento e interação em rede, é preciso ressaltar que, se ontem o pecado tinha dimensão mais individualista, hoje possui uma ressonância sobretudo social.
O Papa São João Paulo II ensinou: “Pecados sociais, são o fruto, a acumulação e concentração de muitos pecados pessoais” (cf. in AAS 77 (1985) p. 217)…“não será fora de propósito falar de estruturas de pecado” (cf. SRS n.36). Enfim, começa-se a ver um pouco além do “salve sua alma”, a salvação do indivíduo, para pensar na salvação com dimensões sociais: uma salvação integral que envolve não só o indivíduo, mas a Humanidade e toda a Criação.
Reflitamos tudo isto nesta quaresma. Boa quaresma!
Dom Pedro Carlos Cipollini, para o Jornal Diário do Grande ABC