Enquanto se abatia uma tragédia sobre o Estado do Rio Grande do Sul, com destruição material e perdas humanas, no Rio de Janeiro acontecia o show “Celebration” com a cantora norte-americana Madona. Tudo com transmissão televisiva para todo o país. Um verdadeiro show de insensibilidade para com as vítimas da grande tragédia ainda em curso.
E aqui vou pelo caminho do não “politicamente correto”. Ouso criticar um evento que reuniu mais de um milhão de pessoas. O que aliás, não é suficiente para fazer bom algo que não o é. A luz de um único sol é maior que a de um milhão de velas. E ademais, as loucuras alheias jamais nos ensinam a ser sensatos.
Não se trata de moralismo, saudosismo ou bolsonarismo etc. Nem me refiro à legítima sensação de bem-estar que provém de um divertimento ou lazer, contanto que seja construtivo, prazeroso e deixe algo que colabore com o desenvolvimento dos valores mais elevados do ser humano, quais sejam a fraternidade, solidariedade e paz. Não se pode reduzir o ser humano somente a corpo e sexo “homo pornograficus” em nome de uma falsa liberdade, pois o ser humano não é só corpo, tem alma, espírito e é vocacionado ao transcendente.
O que se presenciou foi um evento onde o narcisismo, com seu vazio, escondia sob o brilho dos holofotes, o desespero surdo de uma geração sem futuro por falta de sentido, já que não tem passado. Uma artista pop do sexo, assombrada pela velhice repetindo mais do mesmo.
Obter o máximo de prazer com o máximo de permissividade, parece ser a tônica de muitos eventos como este. E aí se pode concluir que há uma loucura no prazer, que só os loucos conhecem. Nada contra o prazer, mas sim contra obtê-lo a qualquer custo, caindo-se para isto na perversão, no humilhante rebaixamento da dignidade da pessoa.
Os imorais encontram imoralidade em toda parte e a louvam como algo sublime. Não há para a pessoa imoral, pessoa honrada, mulher honesta, magistrado íntegro, comerciante de boa fé. Para o permissivo, a perfídia, a corrupção e o suborno reinam em todas as almas. Se repararmos bem, na maneira de proceder, os vícios dos imorais nada mais são que o resultado da convicção de que é impossível exercer a virtude.
Nas cartas de São Paulo se insiste muito no vício da luxúria ou impureza: “Fiquem longe da impureza. Qualquer pecado que o homem cometa, está fora de seu corpo, mas quem se entrega à impureza, peca contra o próprio corpo” (1Cor 6,18). Na mudança cultural que houve na nossa sociedade, não se fala mais do vício da impureza, do pecado contra o sexto mandamento da Lei de Deus. Desapareceu o sentido do pecado e de culpa, quando se refere à sexualidade: tudo é permitido para se obter o máximo de prazer!
O filósofo Gilles Lipovetsky em seu livro Sociedade da decepção escreve: “Desejo e decepção caminham juntos. A dicotomia entre expectativa e o real, princípio de prazer e princípio de realidade, criam um vazio que muito dificilmente pode ser preenchido”. De fato, a sociedade hipermoderna, valoriza o incitamento contínuo ao consumo, à exacerbação do prazer, à fruição e à mudança. Tudo isto gera um vazio frustrante que precisa ser preenchido. No momento o que mais se vê é o recurso a entorpecentes, como via de fuga desta realidade insuportável de sexo sem amor, na qual o prazer pelo prazer não dá prazer.
A Bíblia ensina a ser santo não só no espírito, mas também no corpo. A sexualidade é um dom de Deus que não deve ser desfrutado na irresponsabilidade e no abuso. Recuperar a espiritualidade evangélica que indica o respeito à vida e o cuidado com a dignidade do próprio corpo, ajuda a colocar os sentidos no seu próprio lugar, em vista da realização plena da pessoa. O ser humano tem que superar os animais irracionais, no cuidado com a dignidade com seu próprio corpo!
+Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André