Diocese de Santo André

A mística da Semana Santa

Na Busca pelo Amado, contemplar um novo amanhecer!

A liturgia é plena dos mistérios! No Domingo de Ramos, após a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a Igreja se inclina para refletir e celebrar a síntese da missão de Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. A entrada de Jesus montado num jumento provoca no povo um reconhecimento que se expressa na frase esplendorosa: “Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!”. O papa João XXIII afirmava que a páscoa é o ponto mais esplendente da sagrada liturgia. As duas semanas da paixão que a precedem, reassumem a doutrina da redenção do gênero humano.

Do seu ponto de vista, o Domingo das Palmas é uma jornada gloriosa e comemorativa da ressurreição de Jesus, uma história que se renova igual poema espiritual e harmonioso se repetindo ano a ano! É possível afirmar que é o poema cadenciado com as notas da salvação que vai se orquestrando desde o domingo, passa pela quinta-feira onde Jesus se dá em alimento, articulando com o evento Cruz, reassumindo a experiência do abandono no Gólgota.  Os evangelhos testemunham a determinação de Jesus em beber o cálice e de receber o batismo (Mc 10, 38). Portanto, no Domingo das Palmas o cristão entra solenemente no mistério do abandonado, daquele que experimenta a distância de Deus, o abismo profundo, da vida do crucificado, para assim participar de sua ressurreição. O itinerário conduz o cristão a peregrinar dentro de sua própria interioridade e compreender a grandeza do amor de Deus, que se inclinou até as últimas consequências: a morte. O grito de Jesus na Cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46-49) exprime tanto a sua pertença a Deus como sua desolação, o abandono.

No entanto, esse grito instrui a comunidade a entender que a formulação paradoxal do grito evidencia a sua substancial insondabilidade. É um grito misterioso, confiante Àquele que Ele conhece e a Quem entrega o segredo de seu sofrimento e de sua morte. A mística da Semana Santa leva o cristão a compreender esse mistério do amor divino. O mesmo cristão que entrou nas portas de Jerusalém, exultante de aclamação, se inclina para compreender o evento Cruz. A auto-renúncia do Filho expressa também (é) a auto-renúncia do Pai: no sofrimento do Filho, a dor do Pai. No entanto, essa dor é experienciada no dinamismo do Espírito Santo, o grande instrutor na via crucis. Como afirma von Baltasar, Deus entra na história de sofrimento e permanece sendo Deus. Faz-se necessário contemplar que a morte de Jesus  manifesta a intervenção escatológica e definitiva de Deus no mundo. Essa realidade constitui o inicio da nova criação de Deus. Penetrar no mistério da Semana Santa exige adentrar-se na realidade da Cruz como lugar que ensina a amar incondicionalmente e a viver com gratidão, a confiar unicamente em Deus. O véu quenótico que cobre o esplendor de Deus, manifesta na cruz a grandeza do amor que assume as dores, os sofrimentos da humanidade e de toda criação, para resgatá-las.

É uma experiência mística que conduz a um crescimento na fé, a ponto de chegar àquilo que foi a experiência do centurião romano: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15, 39). A Cruz é a chave hermenêutica que abre novas dimensões e corrige nossa compreensão de Deus. A morte de Jesus é nascimento, é plenitude, eterna realização do mistério filial (Durrwell, F.X). A salvação do mundo e de toda criação de Deus está na comunhão com a morte de Jesus. Portanto, experimentar o silêncio da Sexta Feira Santa é inclinar o ouvido para o silêncio do próprio Deus diante do Filho abandonado: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15, 34). Silêncio esse que se estende ao Sábado Santo, como núcleo da oração permanente da comunidade, na esperança da ressurreição do Senhor. O sábado se apresenta como espaço teológico de reverência ao Deus revelado e escondido: o Pai, princípio único, que dá tudo sem receber e sem perder nada, e cria mediante o Filho e aperfeiçoa a criação no dinamismo do Espírito Santo.

O sábado exige silêncio reverente do coração, ausência de palavras, de busca de reflexão. É escuta adorante do mistério do amor que se debruçou sobre nós. No silêncio, o cristão entra na dinâmica mistagógica do mistério da redenção do amor infinito que é o Espírito Santo. É a experiência da amada que busca na madrugada o Amado, sem encontrá-lo. Na busca incessante, fiel e inquietante da amada, durante o percurso feito pelo livro do Cântico dos Cânticos, percebemos um jogo de aventuras, onde os amados se buscam incessantemente, saboreando o encontro e sofrendo a ausência. A noite simboliza a busca sem encontro, no entanto fundamental para preparar o amanhecer do encontro dos amantes. Na escuridão da noite, é necessário inclinar o ouvido para descobrir a voz do amado que chega “correndo pelos montes” (2 8). Sem dúvida, o amor expresso no livro do Cântico dos Cânticos traz para nós uma indicação de que a relação entre Deus e o seu povo implica conhecimento, contemplação, admiração, exultação e adoração ao Amor. A busca, a procura existente na madrugada: “Em meu leito, durante a noite, procurei o amado de minha alma” (3 1), conduz à compreensão da liberdade do amado: “não acordeis o amor, até que ele queira”! (3, 5).

A noite é iluminada apenas pelo desejo que se apresenta no amanhecer, com a presença do amado no jardim. Numa analogia singular em João 20, 15, Maria Madalena busca no jardim o amado perdido. E o amor a moverá a ver o Amado, o Ressuscitado.

A Semana Santa leva o cristão a se tornar amado, amada, capaz de escutar com o coração a voz do amado que chega à noite, na dialética da Cruz e da Ressurreição. Vivendo esse dinamismo, o cristão contempla um novo amanhecer, onde após ter inclinado o ouvido, participado da Paixão de Jesus, transborda numa grande alegria; e onde as palavras elaboradas pela instrução do Espírito tomam forma exuberante: “Vi o Senhor”! (Jo 20, 18). Na manhã da ressurreição, as palavras tornam-se necessárias para anunciar as coisas ditas pelo Ressuscitado!

Ir. Maria Freire da Silva 

Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. Professora de Teologia Sistemática  da PUCSP e UNISAL. Doutora em Teologia Dogmática pela Gregoriana de Roma.

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