Diocese de Santo André

Entrevista Especial: Dom Abade Mathias

Neste ano de 2017 completa-se 300 anos de evangelização da Igreja no Grande ABC. No último dia 3 de setembro, data em que também foi celebrada a festa de Nossa Senhora da Boa Viagem, um totem foi inaugurado na Rua Vergueiro (centro de SBC), durante a tradicional procissão dos carroceiros, exatamente no lugar onde foi construída a Capela de São Bernardo, pelos beneditinos.

E para manter o legado mais vivo do que nunca da história dos monges na região, Dom Mathias Tolentino Braga, Abade do Mosteiro São Bento, concedeu entrevista exclusiva para a Diocese de Santo André, na qual abordou a chegada da ordem dos beneditinos nas cidades do ABC, o trabalho educacional e social, o reconhecimento pelas ações em prol de uma sociedade mais justa e fraterna, o início do Sínodo e os projetos em comemoração aos 420 anos do Mosteiro, em 2018, na capital paulista.

 Conheça mais Dom Abade Mathias e acompanhe o bate-papo:

Nome: Euclides Tolentino Braga (Mathias Tolentino Braga)

Cidade Natal: Presidente Olegário (MG)

Data de Nascimento: 1965 (52 anos)

Formação: Engenheiro eletrônico pelo ITA(Instituto Tecnológico de Aeronáutica) de São José dos Campos (1992). Filosofia pela Faculdade São Bento e Teologia pelo Instituto Salesiano de Teologia Pio IX (1998).

Integra o Mosteiro São Bento há 24 anos e desde 2007 como Abade do Mosteiro São Bento.

1 – Qual o significado e simbolismo das celebrações pelos 300 anos de evangelização dos beneditinos na região do ABC?

Mesmo que tenhamos deixado de estarmos presentes fisicamente por aqui (no ABC), o legado ficou e a igreja sempre está presente. E, obviamente, sempre mantemos contato. Sempre que possível concelebrando e fazendo parte da história de São Paulo. Embora o mosteiro esteja concentrado no centro (da capital paulista), continuamos atuando em parceira com a Diocese (de Santo André).

E para nós é uma grande alegria fazer parte dessa história. Da memória não apenas da região, mas a nossa também. Beneditinos fazem parte da existência da Igreja no ABC. Em nosso arquivo temos uma série de documentos sobre isso.

Então, quando nós pensamos em nossa identidade como beneditinos aqui no Brasil, pensamos em nossa presença na região do ABC, também, sobretudo com os imigrantes aqui em São Bernardo e São Caetano, por exemplo. (Uma região que) Recebeu muitos italianos. Muitas pessoas atendidas em São Paulo e depois vieram para cá. Então, essa ligação é muito forte, não apenas na capital, como em toda Grande SP.

2-  E o ABC, desde os séculos passados, sempre foi um elo entre a capital paulista e a Baixada Santista no transporte de produtos para o Porto, além da importância econômica para o estado…

Então foi uma área muito importante essas fazendas nossas aqui (no ABC) para a economia da cidade de SP e dos próprios beneditinos. Com o que nós produzíamos aqui (no ABC), acabamos por construir outros mosteiros, como em Jundiaí, Mogi das Cruzes, Sorocaba, Santos e Santana do Parnaíba.

3 – E como teve início a história da ordem beneditina em São Paulo?

Em 2018, o Mosteiro São Bento completa 420 anos. A data de fundação é de 1598 (ano em que os beneditinos chegaram na cidade). Desde aquele ano, os beneditinos irradiaram a vida beneditina no entorno de São Paulo, Santos, Jundiaí, Sorocaba…E no ABC, também.

Os monges fundaram fazendas onde tinham olarias, produção de tijolos, telhas e produzia-se uma série de produtos (óleo de amendoim, farinha de mandioca, milho…). Foi durante muito tempo uma área de atuação, não somente pastoral e religiosa, mas inclusive econômica. Era um dos locais onde os monges desenvolviam o seu trabalho.

Muitas das produções eram escoadas, descendo a Ladeira Porto Geral (na capital paulista, com início na Rua Boa Vista e término na Rua 25 de Março), passando pelo Rio Tamanduateí. Ali nós tínhamos um deposito, um armazém, onde se colocava esses produtos em embarcações pequenas, como se fosse uma canoa, uma madeira chamada guapuruvu, que era muito leve.

Os índios já faziam esses barcos betumados. E desciam o Tamanduateí, que não tinha muita profundidade. Assim levava esses produtos produzidos em São Bernardo e São Caetano até um barco maior no Tietê e dali descia até o (Rio da) Prata (se localiza na América do Sul, entre o Uruguai (ao norte) e a Argentina (ao sul). E de lá também trazia outros produtos.

4 – E tem um fato muito interessante que atesta a igreja peregrina e o pioneirismo dos beneditinos em uma cidade…

Verdade! Com enorme alegria em Sorocaba, o mosteiro se instalou antes de a cidade se formar (em 1654). Que eu saiba é a única cidade que se formou em torno de um mosteiro beneditino.

Aqui também teria sido, se não tivéssemos saído. Na verdade, nessas entradas e bandeiras, essas circulações que os imigrantes faziam nas incursões pelo interior do Brasil, muitas vezes os monges acompanhavam. Então, mesmo com a descida desses produtos que eram produzidos aqui em São Bernardo e São Caetano e desciam até o (Rio) Prata, não somente os produtos, mas muitas vezes os monges acompanhavam os tropeiros (condutores de tropas de cavalo ou mulas, que atravessavam extensas áreas transportando gado e mercadorias) e as embarcações. Então temos a história de muitos monges acompanhando esses imigrantes e colonos aqui (no ABC). E não era diferente em SBC.

5 – Qual a razão de os monges não se estabelecerem na região do ABC até os dias atuais?

No final do Império (séc.XIX), isso aconteceu com todas as ordens religiosas. Foram fechados os seminários, já na Colônia (desde o descobrimento do Brasil até a chegada da família real), e depois ao longo do Império. Algumas ordens religiosas foram expulsas do Brasil neste período da monarquia, como foram os jesuítas, a primeira ordem, em 1554.

Em nosso caso, nunca chegamos a ser expulsos. Mas os noviciados (comunidade para formação de um religioso que precede a emissão de seus votos) foram fechados. E com isso muitos mosteiros foram fechados. E a gente foi fechando essas comunidades e entregando para outras comunidades: em Pinheiros, na capital paulista, com a Igreja Nossa Senhora de Monte Serrat (no Largo de Pinheiros); (mosteiro) em Santana de Parnaíba (1643). Em São Bernardo foi a mesma coisa. Com a redução dos monges, nos concentramos em algumas casas.

 6 – Por outro lado, a ordem dos beneditinos tem o reconhecimento pelo legado deixado na sociedade…

E temos uma felicidade muito grande. Na década de 1980 recebemos uma condecoração dos Direitos Humanos pela Assembleia Legislativa de SP como reconhecimento pela instituição dos monges beneditinos ser a primeira da história do estado de SP a abolir a escravidão dentro do mosteiro. E nós o fizemos, não simplesmente despedindo ou deixando os escravos sem direção, mas as fazendas e olarias foram entregues a essas famílias que trabalhavam e ficaram como propriedade deles, sendo que 17 anos antes da Abolição da Escravatura (13 de maio de 1888) ocorreu a alforria dos escravos.

“Na segunda metade do século XIX, os monges foram arautos da abolição da escravatura no Brasil. Em 1867, o Abade Geral da Bahia determinou a libertação de todos os escravos da Ordem de São Bento no Brasil, assumindo as consequências deste ato: o comprometimento considerável da economia do Mosteiro e ainda a hostilidade e a perseguição política dos grandes senhores da época, que tentavam, a todo custo, sufocar o movimento abolicionista. Também no século XIX, novamente o Mosteiro cedeu parte de suas instalações, transformadas em enfermaria, para abrigar os feridos e mutilados na guerra de Canudos”, trecho retirado LOSE, AD., et al. and TELLES, CM., collab. Dietário do Mosteiro de São Bento da Bahia: edição diplomática [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. Os mosteiros beneditinos. Pág.19 (Alicia Duhá Lose Dom Gregório Paixão Anna Paula Sandes de Oliveira Gérsica Alves Sanches – Célia Marques Telles (collab.))

7- Como é a atuação dos monges beneditinos na sociedade?

Ao longo desses anos todos, os monges atuaram, sobretudo, obviamente na área espiritual, mas também nas áreas da educação e social.

No Mosteiro São Bento temos escola desde o ensino infantil (três anos), fundamental I e II, ensino médio até a formação superior com as faculdades de filosofia e teologia. E sobretudo, temos algumas capelanias (assistência religiosa e social) que atuamos. Uma muito importante é em Mogi das Cruzes (no Mosteiro da Transfiguração). Na verdade, o Dom Pedro (Carlos Cipollini) esteve lá para visitar a paróquia que é desenvolvido todo um trabalho pastoral e continuamos ainda com a comunidade em Jundiaí e Sorocaba.

Vale lembrar que nós temos uma peça de arte, que foi uma das imagens feitas aqui para SBC, que é o São Bernardo talhado e esculpido em barro por Agostinho de Jesus (1600-1661). É o mesmo monge que fez a imagem de Aparecida e foi encontrada no Rio Paraíba (do Sul, em Guaratinguetá, em 1717) – o monge também esculpiu as imagens de São Bento, São Mauro e Santa Escolástica. Temos um carinho muito grande por essa imagem. Está conosco, mas foi feita para a Igreja de São Bernardo.

8 – E estamos vivendo o Ano Mariano… Alguma atividade especial para o mês em que comemoramos Nossa Senhora Aparecida?

Todo ano temos uma série de projetos. Sempre estamos em sintonia com as festividades da Igreja no Brasil. Então, esse é um ano mariano e muito especial. E a gente está muito ligado a história de Aparecida. Queremos entronizar uma imagem de Aparecida, também, para fazer memória a isso, no próximo dia 12 de outubro, e de Fátima (no dia 13 de outubro, para celebrar as aparições de Nossa Senhora).

 9 – Por falar em sintonia com a Igreja, qual a experiência do Sínodo no Mosteiro de São Bento?

O Sínodo (assembleia que reúne sacerdotes, leigos e consagrados escolhidos para auxiliar o Bispo no exercício da sua função, para o bem de toda a comunidade cristã, num debate sobre os caminhos de reflexão, avaliação, renovação, planejamento e programação, feito em conjunto com a sociedade) teve início no Corpus Christi (15 de junho).

Estamos acompanhando a experiência da Diocese de Santo André (que iniciou o Sínodo em novembro de 2016). O mosteiro também se engajou na sintonia e comunhão com a diocese.

Dom Pedro esteve no Mosteiro e expôs a experiência até aqui realizada por vocês (Diocese).

10 – Quais os projetos do Mosteiro São Bento para 2018?

Como estamos celebrando os 420 anos do Mosteiro, teremos uma série de celebrações e eventos comemorativos. A primeira será no aniversário de São Paulo, a convenção de SP (no dia 25 de janeiro).

Sobretudo, também vamos celebrar os 10 anos de falecimento de Dom Cândido Padim (1915-2008), que foi um bispo que atuou muito junto da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), na área da educação, junto com Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), Helder Câmara (1909-1999), Luciano Mendes (1930-2006) pelos Direitos Humanos durante toda a ditadura militar e era muito ligado a questão do operariado.

Vamos fazer uma semana de exposição, com uma série de objetos, e convidaremos pessoas que conviveram com ele (Dom Cândido Padim), inclusive de familiares, o sobrinho dele – desembargador Carlos Eduardo. Pretendemos mostrar a contribuição e a importância dele para a Igreja do Brasil.

 11 – Dom Abade Mathias, a Diocese Santo André agradece a sua disponibilidade para esse bate-papo. Deixe uma mensagem para toda a comunidade do ABC. O espaço é seu!

Sem dúvidas é uma motivação e alegria muito grande estar aqui neste momento e resgatar um pouco de nossas raízes da evangelização no ABC.

Foi um grande prazer conversar com a Diocese e estar aqui nesse momento tão importante para a Igreja na região, para toda a sociedade, mas também para os monges beneditinos. Um grande abraço para toda a comunidade do ABC. As portas do Mosteiro São Bento estão abertas para todos e todas. Venham nos visitar e dialogar conosco! Que Deus abençoe!

Entrevista e fotos por Fábio Sales

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