A Missa pelo passamento de Padre José Mahon, ocorrida na madrugada desta terça-feira, (15/05), na França, onde residia, será celebrada na Catedral Nossa Senhora do Carmo, no Centro de Santo André, às 15h, deste domingo, 20 de maio.
Por onde passou, Padre José Mahon deixou construído um pouco do Reino de Deus. Tivemos a sorte de ter este sacerdote missionário servindo na Diocese de Santo André, assim como em Barreiro, em Portugal, onde esteve por nove anos. Lá era o Padre Zé, o francês, como atesta a publicação da Revista Brasileira de História – Associação Nacional de História, publicado a 3 de abril de 2012. No Brasil, o padre operário das “Indústrias Villares” em São Bernardo do Campo, apoiou os movimentos sociais e a resistência à ditadura militar. Esteve ao lado dos movimentos de jovens operários e grupos de esquerda e de resistência no Grande ABC. Tanto que foi preso sete vezes, no 1º e 6º distrito por apoiar as greves de trabalhadores.
De sua biografia extraímos que Padre José Mahon, nasceu no dia 8-11-1926 em Roubaíx, região Nord-Pas-de-Calais, França. Em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, mudou-se para o sul de França. Depois, veio para o Brasil, Portugal (Barreiro) e voltou ao Brasil em 2006. Religioso da congregação ‘Filhos da Caridade’, cujo pai lutou contra os alemães na 1ª Guerra Mundial e os irmãos lutaram contra o nazismo na 2ª Guerra Mundial.
Relato pessoal de Padre Mahon
Aqui apresentamos seu texto, especialmente escrito para relatar o seu olhar sobre a Diocese de Santo André. Sigamos o seu depoimento:
“Cheguei à Diocese de Santo André em 1.961. A diocese tinha 7 aninhos. Vou contar algumas lembranças destes anos quando Dom Jorge Marcos de Oliveira me recebeu junto com o padre Pedro Jourdanne e Roberto Du Lattay e nos mandou para a paróquia de Santa Terezinha no setor de Utinga.
Em 1.971 fomos para Mauá (Parque das Américas e Zaíra), na Paróquia de São Geraldo no bairro de Guaraciaba em Santo André e na Cidade São Jorge; em 1992 na Paróquia São João Batista no Parque João Ramalho. Em 1997 fui para Portugal onde passei 9 anos e, a partir de 2006 novamente no Brasil, fui servir na Paróquia São Geraldo.
O ABC crescia muito desde 1954, quando a diocese foi fundada, crescimento devido às indústrias que estavam se construindo na região. Povo acolhedor, religioso, sempre disposto a ajudar. Povo que chegava do interior, de Minas, da Bahia, do Nordeste, facilmente explorado nas fábricas. Dom Jorge se preocupava muito com a vida e o sofrimento dos trabalhadores e dava grande apoio, por exemplo, nas greves da Rhodia e mais ainda na greve da fábrica de cimento Perus. Recebia os trabalhadores na sua casa. Preocupado com tantas crianças sofridas criou a Associação ”Lar Menino Jesus”.
A Diocese devia ter umas 50 paróquias e 60 padres (inclusive religiosos), os padres eram de origem diversa: uns vindos de São Paulo quando houve a criação da diocese, outros poloneses, espanhóis, italianos, portugueses, holandeses, belgas e franceses. Havia uma vontade de trabalhar em conjunto, mas com mentalidades bastante diferentes.
Dom Jorge acompanhou todas as sessões do Concílio Vaticano II e trazia os resultados para a diocese: a maior parte se empolgou pelas reformas e houve um clima missionário nas paróquias. Dom Jorge apoiava sempre.
A ditadura militar (a partir de 31 de março de 1964) suscitou, em Dom Jorge, desde o primeiro dia, reações fortes na defesa do povo. Chegou a escrever uma “Carta aberta ao Presidente Castelo Branco” que foi publicada no jornal “Última Hora”. Pouco depois houve a censura prévia de todas as revistas.
A ditadura militar prendia e torturava. Com Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder Câmara e uns 20 outros bispos, o povo se sentia um pouco amparado. Várias Comunidades paroquiais foram perseguidos pela polícia política (DOPS), houve prisões e torturas como o caso do padre Rubens Chassereaux, da Vila Palmares.
Tendo sido coordenador da Pastoral de 1970 ate 1974 conhecia a vida pastoral da diocese: havia criação de novas paróquias porque a população crescia rapidamente. Foram realizados vários Planos de Pastoral com as seguintes prioridades: Comunidades Eclesiais de Base, Pastoral Operária, Juventude, Família. A diocese foi subdivida em setores: Santo Andre, Utinga, São Bernardo, Diadema, São Caetano e Mauá (6 setores).
Os anos passaram; doente, cansado, Dom Jorge pediu para se retirar em Suzano e foi substituído em dezembro de 1975 por Dom Claudio Hummes, franciscano que chegava do Rio Grande do Sul.
A consciência da classe operária crescia, havia muita união, os sindicatos deixavam de ser pelegos: um vento de revolução começava a aparecer. Dom Claudio não conhecia este ambiente, mas tinha vontade de estar ao lado dos trabalhadores. Foi assim que as greves de 1978, 79 e 80 encontraram um forte apoio da parte do bispo diocesano, que acabou estando presente ao lado dos lideres operários. Os jornais do Brasil inteiro comentavam as atitudes da classe operária da diocese de Santo André e do seu bispo.
A pedido de Dom Claudio todas as paróquias ajudavam, mas nem todos os padres estavam de acordo. Havia a Pastoral das Favelas com o padre Rubens Chassereaux, o folheto litúrgico trazia todos os domingos temas de reflexão. De todos os lados a Igreja da Diocese de Santo Andre aparecia como modelo de Igreja aberta às aspirações do povo, ligando a Palavra de Deus com a vida. A Pastoral Operária, as Comunidades Eclesiais de Base ajudavam, encontrando numerosas críticas. A Igreja estava presente nas lutas do povo por mais justiça.
Dom Claudio incentivou muito a Pastoral Vocacional porque havia poucos padres jovens e devíamos pensar no futuro. Este esforço deu frutos e os jovens começaram a aparecer com o desejo do sacerdócio: as orações do povo davam resultado. Os seminaristas se preparavam para ser padres na diocese vivendo em pequenos grupos de 4 ou 5 nas paróquias de Mauá, São Bernardo, Santo André e especialmente em Utinga.
A partir de 1985, a situação evoluiu: a liberdade voltou. Dom Claudio realizava visitas pastorais nas paróquias: passava vários dias, entrando em contato com os movimentos, participava de reuniões, celebrava e, no fim, fazia um relatório a partir de tudo que tinha observado, dando propostas para melhorar. Claro que todas as paróquias visitadas conservaram com cuidado estes relatórios.
Em 1997, Dom Claudio foi nomeado arcebispo de Fortaleza e a diocese recebeu Dom Décio que vinha de São Paulo. Com a sua grande capacidade de acolher, ele continuou a ser o Bom Pastor no meio das ovelhas até que a sua saúde foi desgastando e acabou falecendo em 2003, substituído uns meses depois por Dom Nelson Westrupp, atual bispo diocesano.
Fiquei ausente de 1997 ate 2006: ao retornar encontrei uma diocese com maior número de paróquias, os seminários quase lotados, os movimentos e as pastorais em plena atividade, animados com a presença constante de um bispo incansável: Dom Nelson. Hoje temos uma diocese dinâmica, ativa, com numerosos catequistas, ministros da Eucaristia, da Palavra, da Acolhida, Vicentinos, Novas Comunidades, grupos carismáticos: as igrejas paroquiais ficam no centro de todas as atividades.
De maneira geral, as grandes aberturas do Concilio Vaticano II foram tomando novos rumos. Em 2007, bispos delegados de todos os países da América Latina e Caribe se reuniram em Aparecida para refletir e orientar os trabalhos da igreja. Foi publicado o “Documento de Aparecida” extremamente rico, convidando os católicos para uma Missão Continental e ser “discípulos e Missionários”. O Papa Francisco, na sua recente temporada no Rio de Janeiro, citou uma frase do documento: ”A Igreja deve ser defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas que clamam ao céu”. (nº 395).
Os Bispos do Brasil (CNBB) publicaram tantos documentos corajosos que servem como luz para a Igreja. O último (estudos da CNBB nº 104- abril de 2013: “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”, capítulos 3 e 4) declara: “A configuração atual da maioria das paróquias não é mais capaz de atender às exigências próprias da experiência humana e cristã principalmente entre adolescentes e jovens” (p:43)-“ Na renovação paroquial, a questão familiar exige conversão pessoal. Não é possível trabalhar com grupos de jovens sem levar em conta as redes sociais”. (p:46) “É fundamental cuidar da formação dos futuros presbíteros; compartilhar com os leigos as decisões pastorais e econômicas da Comunidade; isso exige dos pastores maior abertura de mentalidade”. (p: 70-71) –“.
A comunidade deve marcar presença em todos os dramas humanos. Nas crises existenciais… Até os grandes desafios sociais: ecologia, ética na política, economia solidária”. (p: 84).
A recente visita do nosso Papa Francisco dá claramente um objetivo evangélico à nossa ação pastoral: a nossa Igreja tem uma missão neste mundo dominado pelo sistema neo-liberal. Poucos são capazes de reagir diante duma força tão grande.
O Papa Francisco seja talvez o único capaz de mostrar um rumo diferente: ”Deixar-se surpreender por Deus, abraçar, abraçar, abraçar quem passa necessidade como o fez São Francisco” (Homilia em Aparecida). “Na Cruz, Jesus está junto a tantos jovens que perderam sua confiança nas instituições políticas porque vêem o egoísmo e a corrupção, ou que perderam fé na Igreja pela incoerência dos cristãos e dos ministros do Evangelho”. (Na Via Sacra dos jovens)-“. Que façam barulho, que a Igreja saia pelas estradas”. (Aos jovens argentinos)- “Diante daqueles que dizem que o casamento está fora de moda: ser revolucionários, ir a contra corrente, mostrar que são capazes de amar de verdade”. (Aos jovens voluntários das Jornadas).
Aos sacerdotes: “Não podemos ficar fechados na paróquia… Saiam, enviados… Empurremos os jovens para que saiam. Não tenhamos medo”. – Aos bispos: ”Somos ainda uma Igreja capaz de aquecer o coração? Precisamos duma Igreja que volte a dar calor, a inflamar o coração… Educação, saúde, Paz social são as urgências do Brasil. A Igreja tem uma palavra a dizer sobre estes temas”.
Por fim, na Missa de encerramento no domingo 28 de julho:” Ide, fazei discípulos em todas as nações. Ide sem medo, para servir”.
Padre José Mahon