Diocese de Santo André

Quando eu cheguei aqui…

São muitas as histórias que tenho para contar, mas aqui, vou me restringir a minha experiência na Pastoral da Juventude na Paróquia Nossa Senhora Aparecida (Região de Utinga), a “Aparecidinha” como a chamamos, entre os anos de 1978 a 1988, um período fundamental para minha formação pessoal e cristã. Foi um momento crítico para o Brasil e para a Igreja no nosso país: Fim da Ditadura Civil-Militar, Greves do ABC, Movimento pelas Eleições Diretas, Redemocratização do Brasil etc. E, como não podia deixar de ser, a igreja e suas lideranças (religiosas e leigas) teve que se posicionar. Foram tempos de Dom Evaristo Arns, dos primos e Cardeais Dom Aloizio Loscheider e Dom Ivo Loscheiter, de Leonardo Boff e tantos outros. Foram, também, tempos de perseguições e preconceitos na linha do “Política e Religião não se misturam” e, infelizmente, de outros conflitos, muitos ainda presentes em nossa sociedade e em nossas comunidades de hoje.

No plano religioso, foi um tempo forte da Teologia da Libertação que norteou nossas atividades pastorais/paroquiais e nossas vidas!! Optei por esse lado, o da Teologia da Libertação; por alguns taxada de “marxista”, mas para os que a compreenderam e a compreendem verdadeiramente, nada mais nada menos do que os ensinamentos de Jesus em estado puro [Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham. Com grande poder os apóstolos continuavam a dar testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e grandiosa graça estava sobre todos eles. Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um (At 4,32-35)]. Era (e é)  a apresentação de uma visão de mundo tendo como paradigma o Reino de Deus proposto por Jesus Cristo, a Doutrina Social da Igreja e o compromisso com os pobres, vistos  não como “coitadinhos” a serem somente ajudados, mas como pessoas como nós, com virtudes e defeitos, que precisavam e ainda precisam ser “sujeitos da sua história”, com direito a uma moradia digna, boa comida, educação e saúde de qualidade, lazer ….. amor.

Lembrando das pessoas com as quais tive contato naquela época, alguns deles meus amigos ainda hoje, 30-35 anos depois, vejo que essa experiência de vida foi fundamental. A maioria, se não todos, participando ou não atualmente de comunidades paroquiais católicas, demonstram, por sua postura pessoal e coletiva, um senso de justiça e de amor ao próximo que, sem querer parecer pretensioso, infelizmente vejo faltar em boa parte da sociedade brasileira de hoje, e em especial em seus dirigentes!! São pessoas solteiras ou casadas, profissionais de diversas qualificações e aptidões (professores, engenheiros, funcionários públicos, bancários etc.), intelectuais ou não, que representam um recorte do Brasil ainda minoritário: O dos cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres e dispostos a lutar pelo direito de todos a uma vida digna …. Aquilo que Jesus Cristo chamou de Reino de Deus, que “começa aqui e agora”, mas que muita gente ainda idealiza como algo que só acontecerá após a morte!! Isto me faz lembrar o texto de Lc 4, 14-21:

“Jesus voltou para a Galileia no poder do Espírito, e por toda aquela região se espalhou a sua fama. Ensinava nas sinagogas, e todos o elogiavam. Ele foi a Nazaré, onde havia sido criado e no dia de sábado entrou na sinagoga, como era seu costume. E levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías. Abriu-o e encontrou o lugar onde está escrito: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas-novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade
aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça
do Senhor’. Então ele fechou o livro, devolveu-o ao assistente e assentou-se. Na sinagoga todos tinham os olhos fitos nele; e ele começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu a escritura que vocês acabaram de ouvir”
.

Note-se que a escritura sagrada não diz que o Reino de Deus se concretizou após a Ressurreição de Jesus e sua ascensão ao céu. Mas ele mesmo diz:” Hoje”, aqui em Nazaré …. Hoje, aqui em Santo André/Brasil esta Palavra de Deus deve se cumprir!

Esta forma de viver a fé em Jesus em grande parte, se deve ao que aprendi (e apreendemos) atuando na Pastoral da Juventude naquele período…. E permanece em nós até hoje!!!

Outro aspecto interessante que, em geral não se leva em conta é o quanto a participação em uma pastoral, no meu caso a Pastoral da Juventude, pode e pôde contribuir para a formação completa de um jovem! Graças à Pastoral da Juventude eu e meu grupo experimentamos na prática:

  1. Amizades que ficaram para o resto das nossas vidas (como já comentado acima). Alguns amigos estão próximos, outros distantes geograficamente, mas com um grau de carinho e amor tão grandes que quando nos vemos é como se tivéssemos nos encontrado ontem! Isto deveu-se em grande parte a um esforço sincero, que fizemos juntos, para encontrar Jesus na Bíblia e na Vida, com um questionamento permanente das nossas condutas e posturas pessoais e comunitárias.
  2. O fortalecimento da nossa Fé não por meio de um Jesus Cristo distante, nos céus que precisa ser louvado a todo instante, mas um Cristo amigo, Emanuel (Deus Conosco) que caminha junto com seu povo, que tem poder, mas mostra o caminho que devemos seguir e nos capacita para fazermos, em Seu nome, muita coisa em benefício dos outros! Alguns estudos bíblicos e encontros de Pastoral da Juventude foram fundamentais para esse entendimento e sinto não poder falar mais sobre eles, dado o pouco espaço disponível neste texto!
  3. O aprendizado da Pesquisa e do Falar em Público: Tínhamos o costume de dividir entre os membros do grupo os temas que iríamos refletir, de modo a não sobrecarregar a coordenação ou o(a) assessor(a) que estivesse, eventualmente, nos acompanhando. Este costume tirou nossa inibição e, particularmente no meu caso, auxilia até hoje nas minhas atividades pastorais e profissionais;
  4. Como organizar eventos, desde reuniões dominicais do grupo até assembleias regionais: Com Objetivo, Estrutura (Começo, Meio e Fim), Dinâmicas, Espiritualidade e Ações posteriores a serem executadas;
  5. O compromisso com o próximo, por meio de ações concretas na paróquia (participação em outras Pastorais como Catequese Infantil, Perseverança etc.) e fora da paróquia (ações sociais no bairro e na cidade, organização e participação em encontros e congressos de jovens e participação de alguns dos nossos no movimento estudantil e na política partidária);
  6. A prática democrática (aceitar opiniões divergentes, argumentar e aceitar a decisão da maioria, mesmo quando discordando dela);
  7. A descoberta de que as mudanças de mentalidade das pessoas (a Conscientização e principalmente a Conversão) seguem o ritmo e a velocidade próprios de cada um e não o ritmo que desejamos. Jesus sabia muito bem disto, mas nós tivemos que aprender a duras penas!! …… E, pensando bem, talvez ainda tenhamos muito a aprender a respeito! Chamávamos (e chamamos) a isto de “Paciência Histórica” e, no meu caso particular, esse aprendizado me ajuda muito a não perder a Fé e a Esperança em Deus e no seu Projeto em tempos difíceis como este em que vivemos, com tanta violência, falta de respeito e misericórdia com os diferentes e desrespeito aos direitos dos mais fracos!!

Antes de terminar este depoimento não posso deixar de agradecer a Deus por tudo o que ele proporcionou de experiências de vida para mim e para os meus amigos. Agradeço, particularmente a tantos e maravilhosos assessores e assessoras que, direta ou indiretamente, nos acompanharam nesse período e que contribuíram, e muito, para nosso desenvolvimento espiritual e nosso compromisso social! Faço memória de todos e todas, mas cito alguns que, estando ou não ainda no nosso meio, levaremos sempre na mente e no coração: O Pe. Ivo dos filhos da Caridade, as Irmãs Iracema e Manô (Salesianas) e Isabella e Serena (Franciscanas) e tantos outros que nos acompanharam nesse período na Região de Utinga e na Diocese de Santo André!  A eles todos o meu amor, minha gratidão e minhas orações!!

 

*Artigo desenvolvido por Heraldo Soares Peres

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