“Somos chamados a sonhar juntos. Não devemos ter medo de sonhar e de o fazermos juntos como uma única humanidade, como companheiros da mesma viagem, como filhos e filhas desta mesma terra que é a nossa Casa comum, todos irmãs e irmãos.”
Esse pensamento do Papa Francisco é reproduzido na Mensagem para o 107º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado com o tema “Rumo a um nós cada vez maior”, que será celebrado neste domingo (26/09) e reflete o conteúdo inspirado na encíclica Fratelli Tutti, do sumo pontífice, e paralelamente nos motiva enquanto Igreja, a praticarmos a acolhida aos irmãos em busca de melhores condições de vida e de realizar os seus sonhos.
Sonhos esses de muitos migrantes e refugiados que vivem no Grande ABC. Na Diocese de Santo André, o Centro de Apoio ao Migrante acolheu entre março e dezembro de 2020, cerca de 9,1 mil imigrantes de várias nacionalidades, das sete cidades da região, da capital paulista e até do interior de São Paulo.
Somente neste ano de 2021, entre janeiro e setembro, cerca de 3,3 mil imigrantes já passaram por atendimento no Centro. “É uma batalha diária! Auxiliamos e orientamos desde a entrega de cestas básicas até regularização de documentos e passaportes, além da recolocação no mercado de trabalho”, comenta a coordenadora diocesana da Pastoral do Migrante, Helena Teodoro.
Todas as ações em prol dos migrantes e refugiados atendem as principais prioridades da Igreja Católica no Grande ABC, surgidas a partir do primeiro Sínodo Diocesano (2016-2017) e que constam nos oito itinerários do 8º Plano Diocesano de Pastoral: a acolhida e a missão. Acolher, integrar, promover e celebrar!
Estudar mais e construir uma vida pacífica no Brasil
Nascida na cidade de Gonaïves, quarta maior cidade do Haiti com cerca de 300 mil habitantes, Caridania Pierre Louis, 33 anos, chegou ao Brasil há quase um ano, no dia 14 de dezembro de 2020. “Vim para conhecer um pouco do Brasil. Há uma crise de segurança no meu país”, conta a haitiana. Além disso, o Haiti também conserva marcas de uma crise humanitária, após o terremoto que ocasionou mais de 200 mil mortes, em 2010. Em agosto deste ano, outro terremoto de magnitude 7,2 atingiu o país caribenho e causou a morte de mais de 2,2 mil pessoas. “Chegando num país estrangeiro, um pouco difícil de me adaptar porque o idioma é muito novo para mim. Tive muita dificuldade em me comunicar. Conheci pessoas racistas, mas não com frequência”, afirma Caridania, que chegou sozinha ao país, uma vez que o esposo já estava no Brasil. Ela tem uma irmã e dois irmãos, além do pai. A mãe é falecida. No entanto, em pouco tempo, alguns frutos foram colhidos em pouco tempo no país. Caridania agradeceu a acolhida na Diocese de Santo André e a oportunidade de emprego como secretária no Centro de Apoio ao Migrante.
“Agora eu trabalho na minha profissão e me sinto orgulhosa. Me adapto melhor. Eu gostaria de estudar mais aqui. Construir a minha vida com paz no Brasil”, projeta a haitiana, que chegou a participar de algumas missas na Paróquia Santa Maria Goretti, na Região Santo André – Utinga.
Trabalhar pelo sustento da família e servir na igreja
Por outro lado, o venezuelano Felipe Antônio Morales Flores, 50 anos, chegou ao Brasil no dia 10 de janeiro de 2015. Ele alega perseguição política em seu país, que passa por uma crise econômica, social e política, e que segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), tem registrado uma onda migratória sem precedentes nos últimos anos. Dados do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) demonstram que mais de 5,6 milhões de venezuelanos emigraram nos últimos anos.
Nascido em Caracas, capital da Venezuela, o jornalista conta que sua entrada em terras brasileiras aconteceu pela fronteira entre Venezuela e Brasil, no estado de Roraima, onde morou por dois anos. “Depois decidi ir ao estado de São Paulo, no município de São Bernardo do Campo, à espera de dois familiares”, revela Felipe, que hoje conta com a companhia da mãe e do irmão. Outros três sobrinhos saíram da Venezuela rumo a outros países, como Espanha, Equador e Uruguai.
Em São Bernardo, Felipe foi acolhido na Igreja Matriz da cidade (Basílica Menor – Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem), onde a Gruta do Conforto dos Migrantes foi inaugurada neste ano e tem recebido muitos migrantes que oram e fortalecem a fé no espaço. “Quero fazer um grande reconhecimento a Helena Teodoro, missionária da Igreja Matriz, que deu uma grande ajuda para mim, assim como a outros imigrantes que vi chegar na Igreja Matriz de São Bernardo, pedindo alguma ajuda de comida ou trabalho, o qual foi de grande importância em minha vida”, agradece o jornalista, que também é professor de faculdade e técnico superior em computação.
Atualmente, Felipe frequenta e participa das missas da Capela São José, comunidade da Paróquia São Pedro e São Paulo Apóstolos, na Vila São Pedro, perto de sua casa, onde atua como voluntário nos trabalhos da igreja. Ele também trabalha como service desk e suporte técnico pleno em uma empresa terceirizada Global Link de técnicos TI alocados, em busca de uma contratação CLT. O primeiro emprego na região do Grande ABC foi num restaurante de São Bernardo. Basicamente, o sonho de Felipe é o mesmo de milhões de brasileiros e brasileiras: “Meu principal objetivo é trabalhar e sustentar a minha família que veio da Venezuela, assim como eu, me manter economicamente estável para pagar todas minhas contas, aluguel e comprar comida”, revela.
Apoio aos migrantes e refugiados
“Assim que começou a pandemia, em março de 2020, os migrantes ficaram muito assustados e não tinham como pedir informação. Cada dia recebíamos entre 60 a 100 imigrantes, diariamente, pois 90% deles têm seus trabalhos informais”, constata Helena Teodoro. Ela conta que, assim que as pessoas chegavam à região do Grande ABC, recebiam as orientações sobre o que estava acontecendo no Brasil e kits para cumprir os protocolos sanitários de higiene e distanciamento. “Começamos distribuindo máscaras e álcool em gel, pois a maioria não tinha condições de comprar”, argumenta.
Desde o início da pandemia, o Centro de Apoio ao Migrante começou a receber doações para a elaboração de cestas básicas, que seriam entregues às famílias e pessoas que chegavam de outros estados e países. “Veio o auxílio emergencial (suporte financeiro concedido pelo governo federal) e só no Centro de Apoio atendemos mais de duas mil pessoas para orientá-los a se cadastrar e adquirir o benefício. Em outubro de 2020 começamos a parceria com a OIM (Organização Internacional para as Migrações) e foram beneficiados 500 migrantes que estavam com o maior risco vulnerabilidade”, explica Helena.
O Centro de Apoio ao Migrante também recebe doações de alimentos e produtos de higiene, que podem ser realizadas no local (Rua Montevidéu, 71 – Utinga, Santo André), em horários alternativos, ou na Igreja Matriz de Santo André, na Vila Assunção. Mais informações com Helena Teodoro: 98553-3523.
Acolhida na Diocese
Segundo dados do Centro de Apoio ao Migrante, a Igreja Católica no Grande ABC tem prestado um grande serviço no acolhimento e apoio aos migrantes de várias nacionalidades durante a pandemia. Cerca de 660 pessoas acolhidas nas comunidades e paróquias participam das missas e de atividades de evangelização. Em Santo André, 339 adultos e 95 crianças; na cidade de Mauá, 105 adultos e 23 crianças; em São Bernardo, 76 migrantes. Em Ribeirão Pires, 20 adultos e 6 crianças foram acolhidas.
Os padres da Congregação dos Missionários de São Carlos, presentes em três igrejas matrizes (Santo André, São Bernardo e Ribeirão Pires), acompanham diariamente todo o trabalho de acolhida e apoio aos migrantes, desenvolvido pela Pastoral Diocesana do Migrante (assessorada pelo Pe. Jean Dickson Saint-Claire) e pelo Centro de Apoio ao Migrante. Durante meses da pandemia, os missionários scalabrinianos permaneceram vários finais de semana no atendimento a quem chegava ao local, e também na busca de doações em toda a Região Leste da capital paulista.
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