Certamente, já falamos e ouvimos muitas vezes em nossas comunidades: “não assistimos à missa, mas participamos dela”. Essa é uma afirmação válida e necessária, mas será que temos, em nossa vivência cotidiana, consciência do que realmente é participar da missa? A Igreja deseja que os fiéis vivam o direito de participar plena, consciente e ativamente da Liturgia, por força do Batismo. A reforma conciliar viu na liturgia a fonte primária da espiritualidade cristã. Para que os fiéis pudessem colher os frutos desta espiritualidade, o Concílio Vaticano II resgatou, como um dos principais méritos da reforma litúrgica, a questão da participação, que, na verdade, começou a fazer parte da vida da liturgia anos antes do Concílio. Ao falar sobre a música sacra, o Papa Pio X, em 1903, afirma: “é necessário prover antes de mais nada (…): a participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja” (Tra le Sollecitudini). Mais tarde, em 1947, Pio XII também abordou em seus escritos a questão da participação dos fiéis. Segundo ele, “é necessário, pois, veneráveis irmãos, que todos os fiéis tenham por seu principal dever e suma dignidade participar do santo sacrifício eucarístico, não com assistência passiva, negligente e distraída, mas com tal empenho e fervor que os ponha
em contato íntimo com o sumo sacerdote” (Mediator Dei, n.73). Como o objetivo da reforma era fomentar a participação dos fiéis, as formas rituais revistas após o Concílio visam favorecer a compreensão de todos.
O termo “participação” vem do latim “participatio” e significa “tomar parte de algo”. Noutros termos, a participação na liturgia é, antes de tudo, consciência de que toda a assembleia faz parte da celebração, isto é, toda a assembleia celebra.
Logicamente, uma celebração na qual todos assistem passivamente, com o tempo, perdeu seu sentido e deixou de cumprir seu papel santificador, uma vez que a liturgia é a fonte da vida genuinamente cristã. A participação na liturgia é algo mistagógico, uma vez que participar é ser inserido no mistério, acolhendo a voz do Senhor na Palavra proclamada e contemplando o silêncio.
Participar do mistério é mergulhar nele. Para que haja participação plena, consciente e ativa de todos os fiéis na missa e na celebração dos outros sacramentos e sacramentais, é preciso formação e iniciação. Também faz parte da noção de participação a compreensão da assembleia celebrante. Para uma celebração litúrgica, não basta que o sacerdote esteja no presbitério, mas também que o povo esteja reunido (cf. Instrução Geral do Missal Romano). Não é o presidente da celebração o único ator da ação sagrada, mas toda a assembleia. A participação na liturgia desenrola-se no campo do serviço, ou seja, a participação está a serviço da liturgia, e não é a liturgia que está a serviço da participação.
O fiel serve à liturgia pela participação por meio da unidade dos gestos e movimentos, na presença física e nas ações comuns: cantar, levantar-se, ajoelhar-se, elevar as mãos, auxiliar de alguma forma. Também serve pela participação quando se insere no contexto comunitário, pois a liturgia não aceita individualismos. Por fim, serve também quando prolonga a ação celebrativa na vida cotidiana, para além da celebração. Além disso, o conceito de participação aplicado à liturgia concentra as ações dos diferentes ministérios que servem às celebrações e que, juntos, manifestam a estrutura da Igreja.
Após a reforma conciliar, houve avanços na compreensão da participação plena, consciente e ativa. A participação é plena porque o fiel é chamado a participar da celebração como um todo. Nessa seara se insere a harmonia dos ritos, de forma que não há parte mais importante e menos importante
nas celebrações, como se a narrativa bíblica da instituição da Eucaristia fosse mais importante que o ato penitencial.
A participação é consciente porque prevê, além de toda a consciência eclesial,
a formação litúrgica, pois a assembleia não é uma plateia. A falta de formação litúrgica deturpa a participação consciente, pois pouco a pouco as pessoas vão perdendo o sentido da liturgia. E aquilo que é a manifestação da unidade e da identidade eclesiais torna-se apenas um espetáculo, no qual uma pessoa imita os gestos da outra. Como diz o Papa Francisco em sua Carta Apostólica Desiderio Desideravi, “o desafio é muito exigente porque o homem moderno – não do mesmo modo em todas as culturas – perdeu a capacidade de se confrontar com o agir simbólico que é uma característica essencial do ato litúrgico” (n.27).
A participação ativa diz respeito à eficácia da celebração e à realização dos
ofícios e ministérios em comunhão e em serviço mútuo. Ela se dá somente pelo fato de ser assembleia e de estar presente junto aos irmãos de fé, pela escuta atenta da Palavra, pelo canto, pelas preces, pelo silêncio, pelos elementos visuais e estéticos, pelo uso dos sentidos e gestos corporais.
A participação ativa se torna ineficaz quando é reduzida ao fazer coisas. Participação ativa não é participação falada.
Não podemos achar que só participa da celebração quem faz alguma coisa. Essa ideia confunde as coisas e suscita a mentalidade de que a assembleia é uma plateia, ou que todos precisam, em nome de uma participação, rezar as orações próprias do sacerdote, ou que, para envolver a todos, coloca-se pessoas despreparadas para realizar algumas funções.
O tema da participação plena, consciente e ativa ainda precisa ser explorado, compreendido e aplicado, sobretudo no cotidiano das comunidades paroquiais. Participar é essencial na liturgia e prevê, antes de qualquer ação, o contato e a comunhão com o mistério celebrado. A correta compreensão dessa ideia ajuda, inclusive, a superar os modismos que, pouco a pouco, surgem, crescem e desaparecem nas comunidades. Participemos, pois, da liturgia!
Pe. Guilherme Franco Octaviano
(Par. São Jorge – Região Santo André Leste) Coord. da Comissão Diocesana de Liturgia