Diocese de Santo André

Repam lança a obra Povos da Floresta, um livro para encantar e mobilizar o Brasil

Com prefácio de dom Erwin Krautler e autor Felício Pontes JR. a publicação destaca a cultura, a resistência e a esperança das populações tradicionais da Amazônia e o compromisso de conviver, escutar e defender comunidades e os povos estrategicamente invisibilizadas

“Ba ajê õ a-ma kumex”, com esta construção semântica trazida da tradição do povo Kayapó do Xingu e que significa “tenho grande desejo de ouvir você”, dom Erwin Krautler, presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Barsil) bispo emérito do Xingu, abre o prefácio do livro. Segundo dom Erwin explicou no lançamento da obra, e como está no subtítulo do prefácio, esta é “A saudade dos Kayapó”.

Deixando de lado qualquer saudosismo estéril, o eterno bispo do Xingu resgata a necessidade sábia da escuta, da proximidade e da intimidade presente na cultura indígena Kayapó, assim como o “banzo” experimentado pelos homens e mulheres trazidos pelos navios negreiros vindos da África para o Brasil. “Banzo é a lamentação que brota da incontida vontade de rever a pátria perdida”, explica dom Erwin, que une ao lamento negro o lamento indígena. “Muitos povos indígenas e comunidades negras lembram e cantam a ‘terra sem males’, o paraíso perdido”, diz o bispo.

Como não poderia deixar de ser, as palavras de dom Erwin também estão impregnadas de indignação e denúncias. “Os índios não saem das manchetes de jornais. Não passa um dia sem os noticiários relatarem conflitos que envolvem povos indígenas. São assassinados, expulsos ou fraudados de suas terras ancestrais, reduzidos a párias da sociedade, enxotados como animais, tratados como vagabundos de beira de estrada, ou então confinados a verdadeiros currais humanos, sem mínimas condições de sobrevivência física e muito menos cultural. Gritam por socorro porque são ameaçados por projetos desenvolvimentistas que os expulsam de suas aldeias e os mandam para os bolsões da miséria”, aponta.

Lançamento – No último dia 18 de novembro, os participantes do Seminário Geral Laudato Si, realizado em Brasília (DF) e promovido pela Rede Eclesial Panamazônica (REPAM), ouviram, no lançamento da obra Povos da Floresta, diretamente do autor, o Procurador Regional da República, Felício Pontes, da organizadora da publicação, a jornalista Osnilda Lima e do prefaciador, o bispo emérito do Xingu e presidente da Repam-Brasil, dom Erwin Krautler, os caminhos que culminaram no desejo de apresentar, por meio de uma publicação, as riquezas acumuladas durante andanças, enfrentamentos jurídicos, experiências de conquistas e também de grandes perdas e muita esperança de que um dia os povos da Amazônia sejam ouvidos em sua sabedoria ancestral, respeitados em sua dignidade humana, e apoiados em suas propostas de desenvolvimento, ambientalmente sustentáveis e economicamente viáveis.

“Grande parte das realidades vividas pelos povos da Amazônia não chegam ao conhecimento das demais regiões do país, por isso fizemos a proposta do Felício escrever os artigos para a Revista Família Cristã. Em maio deste ano, após o seminário Laudato Si de Altamira (PA), depois de uma apresentação do Felício, fomos surpreendidos pela pergunta de dom Cláudio: onde encontro esse material?”, conta a organizadora da obra, Osnilda Lima que acompanhou a publicação dos artigos por quatro anos na coluna Povos da Floresta.

Assim, na dinâmica dos seminários da Repam por toda a Amazônia brasileira e a partir do pedido do arcebispo emérito de São Paulo e presidente da Repam, Dom Cláudio Hummes, o desejo de publicar em livro os artigos, antes publicados mensalmente na Revista Família Cristã, ganhou força e se confirmou como uma forma de amenizar a invisibilidade em que vivem os povos da Amazônia, não obstante seu protagonismo nas lutas em resistência aos projetos desenvolvimentistas predatórios na região.

Entre os principais objetivos do livro está o desejo de tirar da invisibilidade forçada a que estão subordinados, os povos tradicionais da região amazônica. “Não se luta a favor daqueles que não se conhece. E a invisibilidade permite que tantas atrocidades sejam cometidas até hoje. Algumas resultaram em genocídio. Outras em etnocídio”, destaca o procurador Felício Pontes, na Nota do Autor que abre as 167 páginas da publicação.

Os artigos que formam o livro são fruto da atuação firme e comprometida de Felício Pontes que, como procurador, sempre atuou na defesa das causas que ferem os direitos dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e migrantes sem-terra, estes últimos atraídos à Amazônia pela propaganda do governo em vista da ocupação politicamente estratégica dessa imensa e rica região.

Por outro lado, esta atuação foi nutrida pelas experiências pessoais vividas desde a sua infância no Pará. “Quando curumim, em Abaetetuba (PA), vi a chegada de um ‘grande projeto de desenvolvimento da Amazônia’ no vizinho município de Barcarena (PA). Era uma fábrica de transformação de bauxita em alumínio. Era tão grandiosa que tiveram que construir uma hidrelétrica no Rio Tocantins para suportá-la _ a UHE Tucuruí. Não houve uma voz contrária. Afinal de contas, era o ‘progresso’ chegando e estávamos em plena ditadura militar. O povo da floresta era invisível aos arautos do ‘grande projeto de desenvolvimento’. Esse acontecimento determinou minha vida profissional. Espero que o conteúdo desta obra ajude a se ter uma visão do Brasil de um ângulo que não costuma frequentar os grandes meios de comunicação”, diz o procurador.

Além dos textos, o livro traz um significativo conjunto de imagens. O fotojornalismo apurado e o olhar artístico de fotógrafos e fotógrafas como Osnilda Lima, Paulo Maia, Jaime Patias, Luis Miguel Modino, Guilherme Cavalli e outros, nos permitem desfrutar das belezas amazônicas, ao mesmo tempo em que pela força do que denunciam, nos retiram do lugar de apatia e inanição.

Após ler e contemplar os 47 artigos e imagens que formam a obra Povos da Floresta certamente o leitor estará mais informado e quem sabe, diante das muitas situações de injustiça relatadas, também mais comprometido com as causas dos povos da Amazônia que são nossas causas, como nação brasileira, povo latino-americano, ou cidadãos do mundo. Como afirma dom Erwin Krautler ao final do prefácio: “Que a saudade não seja mero saudosismo por um horizonte perdido, mas a mística a inspirar e sustentar o nosso empenho na busca de novos horizontes de Vida e Paz. Que a Vida seja vitoriosa!”.

Fonte: CNBB

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