Ninguém ignora que a pobreza é um problema não solucionado ainda, e este problema está aumentando com esta crise que atravessamos. Há uma degradação da situação mundial sinalizada pelo caos nas grandes cidades. Aumentam a desigualdade e a violência. Os ricos do norte da Terra provocam a pobreza no sul, mas a pobreza está voltando para o norte: tanto Estados Unidos como Europa não param de receber imigrantes pobres que eles mesmos “produziram”. Erradicar a pobreza é o maior desafio do século XXI.
Em meio à euforia da globalização da economia, das melhorias atingidas nos últimos anos aqui no Brasil, do progresso alcançado em muitas áreas, estão aí os pobres, as favelas, para recordar a realidade da miséria convivendo com o luxo e a tecnologia mais avançada.
É patente o contraste gritante entre a riqueza existente para poucos e a pobreza ou miséria da maioria. Vem a pergunta: qual a causa de os pobres não desistirem e continuarem lutando e esperando? Sem dúvida, a força dos pobres e excluídos vem do próprio Deus. Enquanto a intelectualidade e o mundo econômico de certa forma já sepultaram Deus através do ateísmo prático, para os pobres, a existência de Deus é patente.
O filosofo francês Pascal escreveu: “crer não é pensar sobre Deus, mas sentir Deus”. Os pobres sentem Deus, o qual sustenta suas vidas em meio as injustiças. A sobrevivência dos pobres em condições de vida precárias é um mistério que, em última análise, escapa às análises científicas.
As instituições antigas como a Igreja, sentem dificuldades em se fazer ouvir, no sentido de propor uma ética da solidariedade. Uma ética da solidariedade que possa impregnar toda a sociedade é o único caminho para fazer reverter a exclusão social.
A Igreja não tem o direito de se omitir, só porque é difícil ser ouvida. Como João Batista, ela tem muitas vezes que clamar no deserto. Se ela não clamar, as pedras clamarão, como diz as Escrituras. A Doutrina Social da Igreja não é uma pregação facultativa, mas faz parte do conteúdo da fé, pois a Bíblia diz: “A religião pura diante de Deus é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição” (Tg 1,27).
O Evangelho de Mateus, no capítulo 25, mostra-nos um Jesus-juiz bem diferente do pobrezinho que nasceu em Belém. Um juiz que julga após ter se esgotado o tempo da paciência. O critério último para o julgamento é o relacionamento com o pobre. O juiz dirá aos incautos que ele estava oculto nos pobres da história.
Tempos atrás, o Banco Mundial editou o livro “A voz dos Pobres”. Nele se reúnem depoimentos de 60 mil homens e mulheres de vários países. A pobreza, constata o Banco Mundial, é um fenômeno pluridimensional: ser pobre não é apenas ter fome, mas ter também dificuldades para morar, para cuidar da saúde, educar os filhos, e conclui alertando sobre a necessidade de conferir aos pobres mais poder.
Dias atrás um articulista do Financial Times escreveu artigo intitulado “Mais justiça para os pobres do planeta” afirmando que milhões de pessoas ao redor do mundo continuam sendo excluídas e “não pode haver defesa de um sistema que tenta proteger um grupo de países ricos às custas dos pobres do mundo”.
Não seria um sinal dos tempos, um apelo a mudanças, quando a defesa dos pobres feita por Jesus nos Evangelhos e repetida pela Igreja, principalmente nos últimos anos, aqui na América Latina, coincida com as conclusões de economistas?
Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André