Atravessamos situação crítica como poucas vezes aconteceu em nossa história como Nação. A causa não está somente nos milhares de mortos pela pandemia, e a situação precária da coordenação do socorro às vítimas. A situação se agrava pela onda de violência que se esparrama nos corações e mentes. Um incêndio alimentado pelo vento das ideologias.
Assusta ouvir pessoas que propõem a violência como solução para os problemas que nos assolam. Desde tempos ancestrais, a violência é praticada, mas também condenada em todas as culturas. De fato, afirmava Lao-Tsè, muito antes de Cristo: “Mostrai-me um homem violento que tenha chegado a bom fim, e eu o considerarei meu Mestre”.
Desde os albores da criação, conforme o relato bíblico, a violência é colocada como questionamento para a convivência e o futuro da humanidade. O episódio do assassinato de Abel por seu irmão Caim (Gn 4, 1-16) é emblemático. É a primeira vez que na Bíblia aparece a palavra pecado, justamente para designar a violência, derramamento de sangue, o modo como nos relacionamos com o próximo. Usar de violência, incitar a ela, não é o caminho de Deus. As “armas” de Deus são outras.
Os profetas bíblicos falaram em nome de Deus da justiça e direito, como normas divinas para nortear o relacionamento do ser humano na sociedade. O profeta Isaías escreve que Deus julgará as nações segundo sua Lei e a violência será extinta: “De suas espadas fabricarão enxadas, e de suas lanças farão foices. Nenhuma Nação pegará em armas contra a outra, e ninguém mais vai se treinar para a guerra” (Is. 2, 4).
Esta reflexão se impõe no momento atual que vivemos no Brasil quando uma nuvem tenebrosa se levanta para assombrar a Nação. Refiro-me à proposta de aumento de distribuição de armas de fogo para a população, através de leis que facilitem o porte de armas e o aumento do seu número para a população. Isto inevitavelmente aumentará a violência que já é grande, na qual nos encontramos imersos. Violência que atinge, sobretudo, os pobres e excluídos da sociedade.
Distribuir armas à população, com a premissa de que todos devem se defender dos criminosos, não é solução para acabar com o crime. Um advogado famoso na Roma antiga, Cícero, já sentenciava a este respeito: “O extremo oposto da justiça é a violência”. A justiça sim é remédio contra a violência. É esta que falta. A distribuição da justiça através da aplicação das leis, sem o emaranhado jurídico que dificulta sua prática, gerando impunidade crônica.
Jesus sentenciou lapidarmente a este respeito: “quem com ferro fere, com ferro será ferido” (Mt 26,52), algumas traduções trazem: “Todos os que usam da espada, pela espada morrerão”. Esta é a condenação absoluta do uso das armas de qualquer tipo. Condenação cabal da violência e sentença sobre os violentos. E ele o disse no momento de sua prisão, quando um dos seguidores pegou na espada para defende-lo.
A Campanha da Fraternidade Ecumênica promovida pela Conferência Nacional dos Bispos (CNBB) e o Conselho de Igrejas Cristãs (CONIC) deste ano, propõe-nos uma reflexão neste sentido. As “armas” de Deus são a justiça e o direito levados avante pelo diálogo, a busca de unidade e da fraternidade. Tem como tema: Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e lema: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2,14).
A paz é o horizonte de todas as pessoas de boa vontade, pessoas de bem que seguem o propósito de Deus, pois Deus é o Deus da paz (1Cor 14,33). Não há coisa mais estúpida do que derrotar e vencer. A verdadeira glória é dar vida e convencer. Daí o valor do diálogo como proposta. É a “arma” de Deus para a Paz que todos queremos. E esta fé nos dá esperança, pois, por mais longa que seja a noite ela terá um fim.
* Dom Pedro Carlos Cipollini