Diocese de Santo André

Palestra – Ideologia de Gênero

Palestra de Dom Pedro Carlos Cipollini, Bispo diocesano de Santo André (SP) na Câmara Municipal de São Bernardo do Campo em 25 de setembro de 2015.

 

Prezados Senhores Vereadores, Irmãos na fé, pais, professores e pessoas de boa vontade em geral aqui presentes ou que nos acompanham virtualmente nesta ocasião tão importante.

Preâmbulo

Venho hoje, como Bispo católico, trazer uma contribuição a este debate que se fez presente no Brasil nos últimos tempos, a partir da tentativa de inserção da Ideologia de Gênero nos Planos Municipais de Educação, PME. O Congresso Nacional já rejeitou a Ideologia de Gênero; fez isso ao votar o Plano Nacional de Educação, pela Lei n.13.005 de 25 de junho 2014. Porém, o Ministério da Educação, não acatando à decisão do Congresso, voltou de forma no mínimo estranha a propor o que já fora rejeitado. Isto faz com que possamos nos perguntar se esta discussão tem base democrática ou é de cunho ideológico autoritário.

Desse modo, mais do que na condição de Bispo que expõe a sua própria ideia, venho emprestar a minha voz a milhares de pessoas desta Diocese de Santo André. São católicos em sua grande maioria que gostariam de ver sua opinião externada neste momento e nesta casa legislativa, que deve ser a Casa do Povo, Casa que legisla em favor do Povo. Elas desejam falar, têm, em um Estado Democrático de Direito, essa prerrogativa como cidadãos brasileiros. Ninguém pode, nem deve, por qualquer meio, tentar calar esses cidadãos.

O direito de expressão é garantido pela Constituição Federal e devemos respeitá-lo. Se há intolerância em escutar quem pensa diferente de nós, esta atitude não pode prevalecer. Existem apelos de autoridades para não ceder à pressão de grupos fundamentalistas religiosos. Quem seriam? Os que defendem o direito da família? Pergunto: e os fundamentalistas ideologizados por teorias contrárias à família, estes devem ser ouvidos? Mesmo que a maioria da população não concorde com eles?

Com a desculpa de combater a homofobia (que aliás não é apoiada por nenhuma Igreja Cristã séria) se quer sancionar legislação que está em desacordo com o povo. É preciso ouvir o povo para compreender o que a maioria do povo quer. As Câmaras municipais de Santo André, São Caetano, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, já ouviram o povo e foram contra, cumpriram seu dever de ouvir. São acusados por líderes demagogos de fazerem isto, pensando somente nas eleições do ano que vem, o que é uma clara projeção dos que assim falam, porque nunca desceram do palanque, estão perpetuamente em campanha eleitoral lutando pelo poder a qualquer custo.

Deste modo, muito agradeço ao convite e a compreensão de todos nesta Casa Legislativa que é, de certo modo, como que uma caixa de ressonância da vontade do povo, cujos representantes, legitimamente eleitos pelo voto popular, aqui se encontram para legislar pelo bem desse mesmo povo.

O papel da Igreja

Alguns poderiam perguntar: mas, afinal, o que tem a Igreja a ver com a vida pública de um País, em seus aspectos políticos e sociais? – Respondo com o que já afirmei, quando Bispo de Amparo (SP), em minha Carta Pastoral (Amparo, 2012, 5.3), “a Igreja quer participar, qual fermento na massa, do crescimento e do progresso de nossa sociedade, impregnando-a do Evangelho, sendo sal e luz (Mt 5,14), porque Jesus assim o mandou. Porque tudo o que diz respeito aos seres humanos diz respeito à missão da Igreja; ela não pode abandonar o homem cuja sorte está unida a Cristo. O ser humano é ‘a via da Igreja’, como diz João Paulo II na Redemptor Hominis (n. 14)”.

Mais: A Igreja tem o direito e o dever de fazer ouvir a sua voz quando a sociedade se afasta da reta ordem natural. O Concílio Vaticano II declara que “é de justiça que a Igreja possa dar em qualquer momento e em toda parte o seu juízo moral, mesmo sobre matérias relativas à ordem política, quando assim o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas” (Gaudium et Spes, n. 76).

Os que ontem acusavam a Igreja de acender as fogueiras da Inquisição são os que hoje querem fazer o mesmo com a Igreja Católica, queimando-a na fogueira da intolerância ideológica com a desculpa de querer combater a intolerância da homofobia, intolerância esta que a Igreja não apoia de modo nenhum, como já assinalei.

Quando a Igreja combatia a Ditadura Militar e ajudava o povo a vencer a opressão, os Partidos Políticos achavam que ela deveria e poderia falar e inclusive ter muitos de seus membros torturados, mas agora ela deve calar, dizem aqueles que ela, a Igreja, ajudou a se libertar. Isto é ingratidão e traição, coração desmemorializado!

A Igreja, para muitos que no passado nela se apoiaram para chegar ao poder, deveria hoje se calar e se recolher às sacristias, ou aderir a uma sociedade laicista, na qual Deus e os Dez Mandamentos seriam resquícios de um mundo anacrônico e sem graça. Mas para onde vai uma sociedade que rejeita os mandamentos da lei de Deus conforme está na Bíblia, os quais fundamentam a convivência humana há milênios?

É necessário deixar claro que a Igreja não apoia a homofobia: “as pessoas que fizeram opção de vida homoafetiva não deixam de ser pessoas dignas, pessoas valiosas e a Igreja tem que acolher e amar essas pessoas como irmãos. São filhos de Deus como nós” (D. Antonio Duarte bispo Auxiliar do Rio de Janeiro). Para a Igreja, no centro, está a pessoa e não o gênero. O próprio papa Francisco prega uma atitude de acolhida e fraternidade, sem condenação. Porém a lei de Deus é válida e não pode ser descartada.

É neste sentido que o Bispo de Santo André e de São Bernardo vem à esta Câmara Municipal falar em nome da Igreja. Ele quer ser, como já disse há pouco, a voz do povo que a ele se confia na condição de Pastor do seu rebanho, mas também deseja ser a voz da Igreja na sociedade. Uma Igreja viva, atuante, participativa que sempre fez, faz e continuará a fazer algo a fim de que o mundo seja melhor para todos.

A diferença entre laicidade e laicismo

Um dos argumentos muito utilizados nos nossos dias é o de que o Estado é laico e, por isso, os cristãos não deveriam opinar sobre as decisões que os seus representantes políticos tomam (ou deixam de tomar), mesmo se isso afeta a área ética.

Tal pensamento, contudo, é errôneo em si mesmo, pois, em primeiro lugar, quem representa alguém (no caso de um parlamento), tem o dever de ouvir os seus representados, os eleitores; em segundo lugar, precisamos bem entender o que é realmente um Estado laico, de acordo com o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, em seu n. 572: “O princípio da laicidade comporta o respeito de toda confissão religiosa por parte do Estado, que assegura o livre exercício das atividades cultuais, espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes. Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação’ (João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático (12 de Janeiro de 2004), 3: L’Osservatore Romano, ed. em Português, 17 de Janeiro de 2004, p. 7)”.

Recordo que o Estado Laico não quer dizer Estado ateu. O povo brasileiro acredita em Deus. O Estado Laico é a garantia de que todos podem se manifestar na sociedade e que todas as religiões têm sua liberdade de culto garantida. Infelizmente permanecem ainda, inclusive nas sociedades democráticas, expressões de laicismo intolerante, que hostilizam qualquer forma de relevância política e cultural da fé, procurando desqualificar o empenho social e político dos cristãos, porque se reconhecem nas verdades ensinadas pela Igreja e obedecem ao dever moral de ser coerentes com a própria consciência; chega-se também e mais radicalmente a negar a própria ética natural.

“Esta negação, que prospecta uma condição de anarquia moral, cuja consequência é a prepotência do mais forte sobre o mais fraco, não pode ser acolhida por nenhuma forma legítima de pluralismo, porque mina as próprias bases da convivência humana. À luz deste estado de coisas, ‘a marginalização do Cristianismo não poderia ajudar ao projeto de uma sociedade futura e à concórdia entre os povos; seria, pelo contrário, uma ameaça para os próprios fundamentos espirituais e culturais da civilização’ (Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política (24 de Novembro de 2002), 6: Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano, 2002, p. 15)”

O Papa Francisco, por sua vez, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 27 de julho de 2013, disse, em síntese, que o Estado Laico é aquele que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas expressões mais concretas. Expressões que o Estado laicista, mesmo se dizendo livre, busca a todo custo negar. Todavia, essa liberdade é garantida pela Constituição Federal (art. 5º, inc.VI), de modo que os cidadãos religiosos jamais podem ser, em quaisquer ambientes, considerados como subgrupo ou pessoas de segunda classe que só têm dever, mas nunca direitos. Quem tem religião e tem fé em Deus tem direito a se expressar em uma sociedade laica e livre sem ser assolado.

Ideologia de gênero no PME

Partindo do direito que os cristãos também têm de expressar sua opinião de acordo com o que creem, é preciso dizer que essa ideologia de gênero consiste, em sínteses, no seguinte: nós nascemos com um sexo biológico definido (homem ou mulher), mas, além dele, existiria o sexo psicológico ou o gênero que poderia ser construído livremente pela sociedade na qual o indivíduo está inserido. Duas correntes têm se entrincheirado no debate a respeito de como se compõe a sexualidade. Uma delas afirma que os sexos masculino e feminino são padrões estabelecidos culturalmente e, portanto, meros estereótipos de sociedades baseadas na opressão (do homem sobre a mulher), enquanto a outra afirma que o sexo é um dado biológico e não pode ser construído e desconstruído a partir da vontade do indivíduo.

Nesse contexto, deixaria de existir um homem e uma mulher definidos segundo a natureza para dar lugar a um ser humano sexualmente neutro, do ponto de vista psíquico. Cada um escolheria seu sexo conforme seu querer. O plano do Criador estaria subvertido pela criatura a partir de nossas escolas, repetindo o episódio bíblico da torre de Babel no qual os homens querem desafiar a Deus colocando-se no seu lugar (cf. Gn 11,1-9) para fazer e desfazer a seu bel prazer. Isto é considerar Deus como inexistente ou inútil, ou pior ainda como inimigo do ser humano, simplesmente negando que o tenha criado e direcionado no caminho da vida.

Ora, a discussão dos Planos Municipais de Educação deveria ser orientada pelo Plano Nacional de Educação (PNE), a que aludi acima, votado no Congresso Nacional e sancionado em 2014 pela Presidente da República, do qual já foram retiradas as expressões da ideologia de gênero.

Os projetos enviados aos Legislativos Municipais incluíram novamente, ao menos em grande parte dos municípios, em suas propostas, a ideologia de gênero, como norteadora da educação, tanto como matéria de ensino, como em outras práticas destinadas a relativizar a natural diferença sexual.

Aqui falo com todos os irmãos Bispos do Regional Sul 1, da CNBB, a englobar o Estado de São Paulo, que a ideologia de gênero, com que se procura justificar essa “revolução cultural”, pretende que a identidade sexual seja uma construção exclusivamente cultural e subjetiva e que, consequentemente, haja outras formas igualmente legítimas de manifestação da sexualidade, devendo todas integrar o processo educacional com o objetivo de combater a discriminação das pessoas em razão de sua orientação sexual. (…)

As consequências da introdução dessa ideologia na prática pedagógica das escolas contradizem frontalmente a configuração antropológica de família, transmitida há milênios em todas as culturas. A ideologia de gênero subverte o conceito de família, que tem seu fundamento na união estável entre homem e mulher. Isso submeteria as crianças e jovens a um processo de esvaziamento de valores cultivados na família, fundamento insubstituível para a construção da sociedade.

A não participação da sociedade civil na escolha do modelo de educação fere o direito das famílias de definir as bases da educação que desejam para os filhos. Devemos considerar que negar a biologia é negar a ciência. A Escola deve ter compromisso com a verdade, fomentando o conhecimento da realidade e não doutrinando os alunos com ideologias.

Devemos ensinar os nossos filhos e alunos a respeitar as pessoas, independentemente do sexo, raça, condição social, etc., mas isso não quer dizer confundi-los com uma ideologia como essa. Na verdade, os que adotam o termo gênero não estão querendo combater a discriminação, mas sim “desconstruir” a família, o matrimônio e a maternidade e, deste modo, fomentam um “estilo de vida” que incentiva todas as formas de experimentação sexual desde a mais tenra idade.

Além desses dados da ciência e da lei natural, a doutrina católica nos ensina, sobre o nosso dever em relação à própria identidade sexual: “Deus criou o ser humano, homem e mulher, com igual dignidade pessoal e inscreveu nele a vocação do amor e da comunhão. Cabe a cada um aceitar a própria identidade sexual, reconhecendo sua importância para a pessoa toda, a especificidade e a complementaridade” (Compêndio do CIC, 487). Com a ideologia de gênero, “deixou de ser válido aquilo que se lê na narração da criação: «Ele os criou homem e mulher» (Gn 1, 27)… O homem contesta a sua própria natureza… E torna-se evidente que, onde Deus é negado, dissolve-se também a dignidade do homem” (Bento XVI, discurso à Cúria Romana, 21/12/2012). O Papa Francisco, falou da “beleza do matrimônio”, com a “complementaridade homem-mulher, coroação da criação de Deus que é desafiada pela ideologia do gênero” (Disc. aos Bispos porto-riquenhos, 8/6/2015).

Com a separação entre gênero e sexo, ensina-se uma nova forma de dualidade, que ameaça a dignidade humana. A perfeita unidade entre a alma e o corpo se desfaz, o corpo tendo um sexo e a alma outro. A harmonia humana é desfeita.

Conclusão

Diante dessa grave ameaça aos valores da família, esperamos dos governantes do Legislativo e Executivo uma tomada de posição que garanta para as novas gerações uma escola que promova a família, tal como a entendem a Constituição Federal (artigo 226) e a tradição cristã, que moldou a cultura brasileira.

Um dado que aqui trago, não sei se já conhecido da maioria, de alguns dos senhores ou de poucos, é o seguinte: “Mais de 90% dos municípios brasileiros rejeitaram inserir termos da Ideologia de Gênero no texto final dos Programas Municipais de Educação (PME)” (IPCO).

Que São Bernardo do Campo – cidade cujo nome lembra um grande Santo do século XII, Bernardo de Claraval – possa também, com toda sua força, dentro da lei e da ordem, ouvindo a imensa maioria do seu povo, seguir o exemplo desses tantos e tantos municípios brasileiros e votar pela Família e com a Família, dizendo Não à Ideologia de Gênero que vem assombrando as instituições de ensino do nosso País com as diversas tentativas sorrateiras de se infiltrar nas escolas sob o amparo da lei.

Fiquemos, pois, atentos para dizer sempre nosso Sim à Família e não à Ideologia de Gênero e nisso contamos com o bom-senso de cada um dos nobres vereadores que compõem essa atuante e democrática Casa Legislativa. Muito obrigado!

Referências 

Bispo Brasileiro publica nota contra a Ideologia do Gênero

http://www.zenit.org/pt/articles/bispo-brasileiro-publica-nota-contra-a-ideologia-do-genero

Pontifício Conselho “Justiça e Paz”. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. 7ª ed. São Paulo: Paulinas, 2011.

Nessa situação, como proteger seu filho contra a Ideologia de Gênero?

http://ipco.org.br/ipco/noticias/quer-proteger-seu-filho-contra-a-ideologia-de-genero

NOTA DO REGIONAL SUL 1/CNBB. SOBRE IDEOLOGIA DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO

http://www.cnbb.org.br/regionais/sul-1/16687-regional-sul-1-divulga-nota-sobre-ideologia-de-genero-nos-planos-de-educacao

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