Catedral de Nossa Senhora do Carmo – Santo André – 30.01.2016
Queridos irmãos e irmãs, fiéis que pelo batismo fazem parte da nossa comunhão missionária que é a Igreja: saúdo a todos em nome e no amor de Jesus Cristo! O Espírito Santo nos reúne hoje para celebrar na alegria, esta dupla ordenação diaconal. Na pessoa do Vigário Geral Pe. Ademir e do reitor do seminário diocesano de teologia, Pe. Cassiano, saúdo todos os padres aqui presentes. Na pessoa do diácono João Lázaro, saúdo os diáconos permanentes de nossa diocese, saúdo os religiosos e religiosas. Saúdo todos os que vieram de outras dioceses, amigos e amigas dos ordenandos: sejam bem vindos! Em especial acolho e saúdo os pais de nossos seminaristas ordenandos: Sr. e Sra. pais do Adriano e Sra. e Sr. , Pais do Willian.
Meus irmãos e irmãs, hoje é dia de festa para nossa querida Igreja de Santo André. Dois de seus filhos, que receberam no batismo a vocação à santidade, que é seguimento de Jesus Cristo, sentiram-se chamados a uma consagração total. Permitam-me algumas lembranças sobre a Palavra de Deus aqui proclamada. Ela pode nos ajudar, se a interiorizamo-la em nosso coração para que se transforme em luz e vida, transformando-nos, a nós e à nossa comunidade, nossa sociedade.
A primeira leitura do Livro dos Números (3,5-9), nos fala do sacerdócio levítico. Na Antiga Aliança, a instituição levítica formava como que um remoto embrião, do que virá a ser na Nova Aliança o Sacramento da Ordem, nos seus três graus: diaconado, presbiterado e episcopado. O texto aqui proclamado nos recorda, sobretudo, o serviço e a consagração. Diz o texto: “eles estarão a seu serviço”.
Jesus o Filho de Deus, não quer dominar, nem através do dinheiro, nem da fama e nem do poder. Ele veio para servir. O serviço é a temática central da teologia neo-testamentária e de toda a teologia, isto é o que nos recorda o Concílio Vaticano II. A diaconia, o comportamento e a atividade do servidor aparecem no conjunto do Novo Testamento e forma como que a síntese das qualidades que deve ter o verdadeiro discípulo que vive na dependência de Jesus Cristo: “Eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,26). Servir não é uma idéia, mas é uma prática de seguimento e imitação de Cristo Jesus na humildade, abnegação, pobreza, obediência e amor à cruz.
Mas o que nos impede, meus irmãos, de viver o serviço? O serviço evangélico somente é possível na consagração. O texto proclamado diz “darás, pois a Araão e seus filhos os levitas, como doados, eles lhes serão doados…”. Sem consagrar-se, sem ser doado a Deus totalmente, ninguém vive verdadeiramente o serviço. Hoje em nossa cultura de narcisismo e individualismo que é “mundanismo hedonista”, é muito difícil se entregar, se doar a Deus para servir onde Ele precisa de nós e do modo como Ele nos pede. Na maioria das vezes se doa ao Senhor pela metade, ou se doa o que sobra de nosso tempo de nossa vida.
Muitas vezes também não nos doamos porque não compreendemos a diferença do sacerdócio do Antigo Testamento que era “direito” da tribo de Levi. No Nosso Testamento o sacerdócio é “vocação”, chamado de amor e predileção: “se queres vem e segue-me”(Mt 19,21). O serviço somente poderá ser vivido por quem tem um coração agradecido, por ter tido o privilégio de ser amado e chamado para estar com Jesus e ser enviado em missão: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi” Vocês meus queridos filhos estão para serem ordenados diáconos. Vocês sentiram o chamado e resolveram dizer sim, vocês se prepararam para isso. Peço que se lembrem: o maior serviço é ser memória viva de Jesus para a comunidade, dando exemplo de amor serviço. Amor que não busca privilégio algum, mas à exemplo de Jesus, se doa generosamente porque sabe que no Reino de Deus, servir é reinar!
O Evangelho nos lembra que a consumação de toda a vocação na Igreja é o amor. Mas que amor? É o amor de Cristo que nos convida: “Permanecei no meu amor!” (Jo 15,9 -17) O amor que recebemos e doamos é uma realidade que nos coloca mais e mais perto de Deus. “Deus é amor” (1Jo 12,31); não podemos entender a partir desta afirmação, que o amor é Deus. O que se diz aqui é que o amor é o modo de ser de Deus, é sua essência mais íntima que revela seu segredo na misericórdia. O amor de Cristo é sempre misericordioso. O amor de Cristo nos dá alegria porque nos faz provar a intimidade de Deus: “eu vos chamo amigos”. Quando estamos sem alegria é porque nos desligamos da fonte da alegria, deixando de rezar, de ouvir e meditar a Palavra, de estar comprometidos com o projeto de Deus, muitas vezes trocados pelos nossos.
O amor cristão não é poesia, não é brincadeira, não é o amor romântico dos romances de cavalaria medievais. Sereis meus amigos se fizerem o que eu vos mando, disse Jesus. Do ponto de vista da mística cristã, “o amor não consiste em sentir grandes coisas, mas em ter um grande desprendimento e em padecer pelo Amado” (S. João da Cruz in Ditos de Amor e Luz, n. 113). Padecer pelo amado, presente nos sofredores deste mundo, completando o que falta à paixão de Cristo, como escreve São Paulo (cf. Cl 1,24). Fazer o que Jesus mandar é prova de amor! Por isso ninguém ama de verdade se não souber o que é obediência. Jesus manda, quem ama faz.
Permitam-me dar a vocês neste dia, caros filhos Adriano e William, duas recomendações, que possam ser como dois trilhos pelos quais caminha o “trem” da vossa vida. A primeira, é que vocês possam amar, ouvir, meditar e praticar a Palavra de Deus. Não pode anunciar a Palavra de Deus quem não faz da própria vida um diálogo constante com a Palavra de Deus, ou melhor, com Deus que nos fala. A palavra de Deus sempre nos fará apelo para não nos esquecermos dos pobres, para vivermos na simplicidade e sobretudo para orarmos continuamente, buscando a conversão. Ela não vos deixará perder o rumo, perder o foco.
A segunda é que vocês não caiam na “rotina”, na “normalidade”. É um perigo, uma tentação deixar-se levar pelo desejo de uma vida “normal”, como explica o Papa Francisco. Como acontece isto? “…começa a contentar-se com a atenção que recebe, julga seu ministério com base no sucesso e vive na busca do que lhe agrada, tornando-se frio e sem verdadeiro interesse pelos outros. A normalidade para nós é a “santidade pastoral, o dom da vida. Se um sacerdote escolhe de ser somente uma pessoa normal, será um sacerdote medíocre” (à Comunidade do Seminário Lombardo de Roma, 25.1.16). O papa está falando aos seminaristas, aos futuros padres, que vocês também serão um dia se Deus quiser.
Vocês ouvirão daqui a pouco as palavras do ritual: Creiam na Palavra que escutam, pratiquem-na e ensinem a Palavra que praticarem. Vocês receberão solenemente o livro dos Evangelhos. A Palavra de Deus vos livrará da mediocridade que é a morte do apóstolo missionário. A Palavra de Deus vos colocará na perspectiva da moral evangélica, baseada na responsabilidade assumida e vivida. Se forem autênticos no assumir a missão conforme prometerão daqui a pouco, serão capazes de serem livres e libertadores graças ao profetismo de Cristo que habitará em vós.
Como diáconos vocês servirão por um tempo no local designado. A Igreja de Santo André louva a Deus pela vossa vida, pela vossa escolha de dizer sim. Agradecemos toda dedicação, que vocês tem demonstrado nos estudos, na busca de uma espiritualidade que possa sustentar vossa vocação.
Permitam-me ainda recordar o que disse o papa Francisco na mesma homilia citada acima: “a característica do que é diocesano é precisamente a “diocesaneidade” que tem como pedra angular a relação frequente com o bispo, no diálogo e no discernimento com ele…,sem um relacionamento assíduo com o seu bispo, o diácono ou sacerdote lentamente se isola do corpo diocesano e sua fecundidade diminui, principalmente porque não exercita o diálogo com o Pai da Diocese”. A Igreja de Santo André espera de vocês, um comportamento ético, coerente com as promessas que farão daqui a pouco. Contem sempre com a oração dos irmãos, do clero ao qual passam a pertencer, e também com meu afeto e benção de pai e pastor. Assim seja!
Dom Pedro Carlos Cipollini – Bispo Diocesano de Santo André