Sentir-se filho, eis a novidade para o homem tão solitário e perdido dentro de si mesmo, tão ocupado, responsável por tantas coisas, descobertas, pesquisas, avanços. A confiança “cega” que conduziram frágeis homens na Igreja e no mundo a darem saltos mortais nas mãos do Pai porque sabiam que assim como uma mãe não nos abandona o Pai também não é o que falta para hoje sermos mais felizes, realizados, amados. A confiança, o abandono é uma questão primordial para o homem de hoje que confia em tudo, mas se esquece que há um Deus de amor que nos sustenta com sua destra vitoriosa.
Nessa busca incessante de conseguir, de lutar, de ganhar, de ter certezas está uma profunda necessidade de apoio, de amor, de ser cuidado, de viver o hoje com suas renúncias e alegrias “ pois a cada dia basta o seu mal”, Deus é Pai e tudo sabe…
A confiança filial nos auxilia a vivermos cada dia, cada momento como dádiva e não como um fardo, como um dia qualquer onde o que conta é a lista de coisas que tenho a resolver na minha agenda e os problemas que ingenuamente acho que vou solucionar. Se a cada dia o abandono ao Pai guiar as nossas vidas as nossas crises, tensões, neuroses, desilusões, stress com certeza diminuirá porque seremos livres diante da vida, porque foi para ter vida em abundância que o Pai nos deu seu Filho e não para ter uma vida sem sentido, sem rumo, vazia.
Cada dia, hora, minuto, segundo, cada pessoa, situação, alegria, tristeza, perda, vitória, lágrima, riso, tudo é único e irrepetível. Deus nos fez únicos e é por isso que não podemos sobreviver porque Ele nos chama a viver. E é no cotidiano, no hoje que sou feliz. Mesmo se eu não puder mudar as coisas, as circunstâncias, as pessoas pelo menos a minha maneira de enfrentá-las eu posso e isso ninguém pode impedir a não ser eu mesmo.
Como diz a Doutora da Igreja: “Tu sabes, ó meu Deus, pra te amar na terra. Eu só tenho o dia de hoje!”. Só temos o hoje para amar a Deus, amar a Igreja, amar o próximo. “É sempre preciso começar cada dia como uma nova vida!” (Edith Stein)
Deus é Pai e guiará nossas vidas sempre mesmo que não tenhamos tantas certezas e evidências, o seu “tempo” e o seu “hoje” se concretizarão a cada sim que damos livremente e conscientemente, no concreto de nossas vidas, dando espaço para Ele intervir na nossa história, no nosso hoje. A confiança cega e o abandono não devem ser confundidos com negligência e falta de cooperação pessoal da nossa parte.
Alguns anos atrás na França estava meio sem rumo sem saber o que seria da minha vida, do meu futuro e resolvi tirar uns dias para pensa e no quarto onde fiquei hospedada tinha um quadro com esta frase: “Para onde Deus nos leva ignoramos. Sabemos somente que Ele nos leva” (Edith Stein). E a partir daquela noite onde não consegui dormir pensando nessa frase e no que Deus queria me dizer com ela compreendi que a vida é um mistério o qual somente uma relação tão íntima quanto de um Pai com o filho pode aventurar-se e lançar-se ao que virá pela frente. Só sendo filho, sendo amado podemos entregar nossa vida sem que alguém a tire (ninguém tem esse poder!). Depois daquele dia pude perceber o quanto o Pai guia a minha vida seja pelas palavras ou pelos acontecimentos.
Deus, só Deus é Bom, e Ele fará o melhor para as nossas vidas, pois não nos dará “nem uma pedra, nem uma serpente”, quer que sejamos livres para amar, quanto mais abandonados mais livres para podermos partir como Abraão para onde não conhecemos, dizer Sim ao mistério como Maria, lançar as redes como Pedro, ir ao túmulo na madrugada como Madalena, abraçar uma missão como São Paulo, Teresinha, Madre Teresa, Beata Gianna Bereta Molla e ser um profeta como João Paulo II e tantos outros que sem certezas, sem mapas, roteiros e garantias acreditaram unicamente no “amor que não engana a ninguém”.
É difícil depender, se abandonar, deixar de fazer para receber, esperar, mas no dia-a-dia, na minha rotina posso ser feliz e o que é melhor fazer alguém feliz, sabendo que “o que não entra no meu projeto depende do plano divino” e que “o abandono é fruto delicioso do amor” .
“Jesus pede uma entrega filial “a providência do Pai Celeste que cuide das mínimas necessidades dos seus filhos: Por, isso, não andeis preocupados, dizendo: Que vamos comer? Ou que vamos beber?… Vosso Pai celeste sabe que temos necessidade de todas essas coisas. Buscai em primeiro lugar, O reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6,31-33)
Percebemos então que confiar, se abandonar é uma atitude amorosa e humilde. Mesmo diante dos nossos limites e imprevistos da vida. Eu confio amorosamente em Deus sabendo que eu não posso mas Ele pode e essa humilde confiança não me desanima mas me faz voar porque como dizia o santo Cura d Ars: “ A humildade que desanima é má”.
Concluo desejando a você caro leitor e a mim a audácia de se lançar nos braços acolhedor do Pai.