Diocese de Santo André

Pe. Miguel Lemarchand: 40 anos de missão pela justiça social na Diocese de Santo André

“Deus como origem e a pessoa humana como objetivo”. Essa é a mensagem do sacerdote da Congregação Filhos da Caridade, que deixa um verdadeiro legado em prol dos pobres, na região do Grande ABC, e encerra o capítulo desta jornada com duas celebrações especiais no dia 3 de fevereiro, nas paróquias Nossa Senhora do Rosário e São Geraldo Magella

Após quatro décadas de serviços prestados à Diocese de Santo André, na luta pela democracia e por uma sociedade mais igualitária, padre Michel Lemarchand, mais conhecido como padre Miguel, 78 anos, retornará para a França, sua terra natal, no próximo dia 5 de fevereiro.

Atualmente na Paróquia Nossa Senhora do Rosário, na Vila Luzita, mas com passagem marcante pela Igreja São Geraldo Magella, na Vila Guaraciaba, ambas na cidade andreense, o sacerdote tem forte ligação com a região e marcou época, no trabalho social e de evangelização em prol dos menos favorecidos na sociedade e da classe operária.

Nascido em pleno início da Segunda Guerra Mundial, no dia 28 de dezembro de 1940, na cidade de Caen, na França, o membro da Congregação Filhos da Caridade – instituição religiosa que chegou ao país na década de 1960 e teve em seus quadros um ícone da luta contra a ditadura, o saudoso padre José Mahon (1926-2018) – não fala em despedida, mas um até logo, já que pretende retornar ao país ao menos para uma visita anual.

“Deixo o Brasil agradecendo ao país que me acolheu, à Igreja do ABC que foi minha família, aos inumeráveis irmãos e irmãs das diversas comunidades onde passei. Agora eu tenho que ir onde estou esperado, mas, na medida do possível, guardarei o contato”, sintetiza o filho mais novo de quatro irmãos (dois homens e duas mulheres).

Sempre com um sorriso no rosto e de fala ponderada, padre Miguel recebeu a reportagem diocesana para um café em que relembrou a sua infância, o chamado para o sacerdócio, a chegada ao Brasil e a missão desenvolvida no país nestes quarenta anos de atuação pela redução da desigualdade social e mais oportunidades para a população carente.

Acompanhe os principais pontos do agradável bate-papo (a entrevista, na íntegra, você confere na próxima semana):

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Infância na Segunda Guerra

“Praticamente nasci no início da guerra. Tenho lembranças quando ainda era pequenino. A (Segunda) Guerra (Mundial) acabou em 1945 e lembro de ter visto na frente da nossa casa, primeiro os alemães que estavam acampados e depois chegaram os ingleses, que sucederam naquele espaço. Tinham as bombas que explodiam ali”

“Foi um início de vida muito difícil. Minha mãe faleceu logo depois do meu nascimento. Nasci na aldeia, num povoado. Esse contexto de insegurança (sobre como viveria) me marcou de certa forma durante a infância. Não tínhamos muitos recursos financeiros. Meus pais (Julio e Tereza) eram camponeses”.

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Início da trajetória religiosa

“Meu primeiro contato com a Igreja foi através da música. Porque não tinha ninguém para tocar harmônio (instrumento musical de teclas, similar a um teclado ou órgão). Aprendi a tocar o instrumento com apenas dez anos. Gostava muito de música. Tinha vizinhos com vitrolas e emprestavam para escutarmos discos de vinil. De fato esse foi um ‘pé na estrada’ e me ajudou a frequentar regularmente e servir neste aspecto numa igreja chamada São Lourenço”.

 

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Vocação para a vida cristã

“Durante a minha adolescência me perguntei o que iria fazer da vida? A ideia de ser padre me chegou antes, perto dos dez anos, talvez atraído pelo sagrado, mas acredito ter sido superficial naquele momento. Aí aprendi a profissão de torneiro. Descobri o movimento da JOC (Juventude Operária Católica), na cidade de Flers – distante 240 km de Paris –, e minha fé em Deus que tinha como criança, se tornou uma fé em Jesus Cristo e uma força de transformar a sociedade”.

“Num certo momento, aos 18 anos, um padre assistente da JOC, o Jean, me perguntou se eu não gostaria de ser sacerdote. Fiquei na indecisão. Me alistei no serviço militar e na volta decidi que entraria no seminário. Nesse meio tempo quase fui para a guerra da Argélia. Já estava alistado. Só que o capelão de uma escola militar precisava de alguém que animasse as celebrações no quartel. Toquei lá e não fui para a guerra. Daí fui para a região de Paris, com o intuito de iniciar os estudos de filosofia e teologia. Fiz o noviciado, também. No total uns dez anos de estudos”.

“Meu primeiro contato com os Filhos da Caridade foi numa Catedral de Nossa Senhora, em Paris, na década de 1960. Me identifiquei com o carisma. Simplicidade, vida fraterna e contato com os pobres. Seriam características da vida religiosa que escolheria dali em diante. Fui ordenado padre em 1973, aos 33 anos, pelo cardeal Marty”.

“Paralelamente à atuação de padre, acompanhando a JOC, trabalhava também em supermercado, na área de legumes e frutas”.

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Chegada ao Brasil

“Chego aos 39 anos, no Brasil, enviado para uma missão dos Filhos da Caridade. Fiquei maravilhado! Os espaços, o clima, o relacionamento entre as pessoas. Perguntavam-me: ‘Está com saudades da França?’. Sempre respondia que não, com muita sinceridade. Cheguei no mês de setembro de 1979. No mês seguinte, havia retiro do Clero em Itaici (Mosteiro, em Indaiatuba). A temperatura, a natureza, o convívio com os padres…. Fiquei encantado”.

 

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Ditadura

“Quando cheguei ao país (em 1979), o General (João) Figueiredo ainda estava no poder, com a ditadura. Recordo-me que, na igreja São Geraldo (Magella, na Vila Guaraciaba, em Santo André), numa noite tinha reunião. Sentei nos bancos do fundo, observando, com a intenção de entender o que acontecia (naquele momento)”.

“Depois, fiquei sabendo que o pessoal encurtou aquela reunião, pois imaginavam que, talvez, eu seria do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)…Começava a fermentar uma grande mudança, onde a Igreja ia ter um papel fundamental (na construção de uma sociedade mais justa e igualitária)”.

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Referência de atuação

“Essa movimentação da Igreja não era para mim, totalmente estranha. Lembrava meu tempo de militância na JOC (Juventude Operária Católica). O objetivo era o de renovar o mundo com a luz de Jesus Cristo. As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) têm esse mesmo objetivo. Atuamos no trabalho de evangelização das pessoas com a Pastoral das Favelas, com a Pastoral da Juventude e a Catequese, sempre ao lado dos mais carentes da sociedade. Foi uma experiência enriquecedora”.

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Relacionamento com a Diocese

“Sempre procurei atender aos pedidos da Diocese, seja para substituir um padre que deixava inesperadamente uma paróquia, como para assessorar uma pastoral. A Congregação dos Filhos da Caridade, à qual pertenço, pede isso: Com o nosso carisma específico, estar a serviço das dioceses”.

 

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Legado social da Igreja no ABC

“A Igreja no ABC apresentou para o mundo um belo exemplo do que devemos ser: fermento para um mundo mais fraterno. As Campanhas da Fraternidade foram grandes momentos de evangelização. As pastorais sociais eram, e continuam sendo, a expressão de Jesus que “passou no meio de nós, fazendo o bem”. Relembrando São Tiago que disse: se a fé não for acompanhada de gestos concretos, é engano”.

“Porém, provavelmente, faltou um enraizamento explícito na fé em Jesus. Isso me lembrou uma bela e poética observação de um cristão leigo nos dizendo: “A gente vê vocês dançar, mas não ouvimos o som da música”. Isso significava que a “mola”, a raiz do nosso agir não revelava ‘Aquele’ que nos animava e que tínhamos que anunciar, isto é, o próprio Jesus Cristo”.

 

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Partida para a França

“Saindo hoje do Brasil, guardo ainda essa mesma visão positiva do país e do seu povo. Minha esperança é a de que hoje, aproveitando das lições desses últimos anos, possamos chegar a uma postura mais equilibrada da vivência cristã. A fé leva às obras, mas as obras sem fé não levam a muita coisa”.

“Na história, até recente, houve muitas tentativas de construir uma sociedade mais igualitária. Tudo fracassou porque, no fundo, ninguém quis partilhar. Se quer sim, aproveitar. Sem evangelização, a realidade ficará igual. Até pode piorar”.

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Reportagem de Fábio Sales

Fotos de Fábio Sales e arquivo padre Miguel Lemarchand

 

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