Fui convidada a voltar no tempo, a fim de recordar um pouco dos 65 anos vividos na Diocese de Santo André. Era 1954, mês de setembro e Eu estava lá junto a todos os Diocesanos para receber o primeiro Bispo da Diocese de Santo André, partícula da Igreja de Pedro, o representante de Cristo entre nós. Dom Jorge Marcos de Oliveira chegava com seus 38 anos e o lema “ Omnia in Christo”, “ Tudo em Cristo”, e adentra a Catedral do Carmo que já era imponente, toda iluminada, para receber o Bispo que seria a luz para todos os fiéis do ABC. No mesmo dia, ele retorna ao Rio de Janeiro, pois a casa então chamada “Palácio Episcopal” não tinha condições de recebê-lo, “casa onde hoje está construído o prédio da Mitra Diocesana” graças ao empenho de Dom Nelson Westrupp.
Eram poucas as igrejas em cada cidade que formavam o território da Diocese, apenas 16 e 20 Sacerdotes, e também eram poucos os recursos para sua instalação. No mês de outubro daquele ano Dom Jorge, retorna à Diocese de Santo André e passa a residir na Chácara de propriedade de Dona Deyse Murray, carioca como ele e sua diocesana lá no Rio de Janeiro; esta chácara ficava onde hoje está instalado o Clube Primeiro de Maio, defronte ao correio. Lá ele ficou residindo até ter condições de se mudar para a Praça do Carmo, onde ficou por 21 anos.
Como não lembrar das suas missas em latim, dos cantos, dos pontificais na Catedral e da espiritualidade que reinava na época! Nestes 21 anos de pastoreio como não lembrar das suas visitas pastorais, das crismas com igrejas sempre repletas, da criação de inúmeras paróquias para atender a população que crescia com a instalação principalmente da indústria automobilística na região, que propiciou uma explosão demográfica! Também lembramos dos relatos das suas inúmeras viagens por todo o país na pregação da Doutrina Social da Igreja frente aos graves problemas sociais.
O jovem Bispo que chega em 1954 se impressiona com os problemas sociais nesta região do ABC e particularmente com as crianças “ontem menor abandonado” hoje criança e adolescentes carentes em situação de risco, e chama a comunidade para fundar em fevereiro de 1956 a Associação Lar Menino Jesus, para atender meninos e meninas em regime de internato e mais tarde também a casa para mãe menor solteira. Para tornar possível esse atendimento, foi criado o Instituto Servas do Menino Jesus.
O Bispo exigia que a vivência das casas da Associação fosse a de um verdadeiro Lar, para que as crianças pudessem reconstruir suas vidas e assumirem o seu próprio futuro. Depois, em 1970, o Lar Menino Jesus que ele idealizou partiu para o atendimento em outros regimes que não separavam pais e filhos e sempre procurando unir fé e obras, como pregava a Sagrada Escritura.
Lembramos das lutas sociais que fizeram o primeiro Bispo da Diocese apoiar vários movimentos grevistas, que na época lhe causaram sérios problemas até com o próprio episcopado. Como também não lembrar dos momentos difíceis do regime militar, onde pessoas ligadas à Igreja e também Sacerdotes foram perseguidos e torturados, deixando em cada um marcas que o tempo não apaga.
Em 1962 Dom Jorge inicia sua participação no Vaticano II, que nas palavras dele foi um verdadeiro despertar para um maior sentido de responsabilidade, e uma grande oportunidade para os fiéis começarem a voltar às fontes do cristianismo, onde a responsabilidade de todos era sumamente exaltada (entrevista dada à Revista Expressão em 1970). Mas o Bispo não esteve sozinho em seu pastoreio: inúmeros padres se juntaram a ele, mas me lembro especialmente dos Padres Filhos da Caridade, dedicados à evangelização da periferia dos grandes centros urbanos. Dom Jorge os recebeu de braços abertos para servir aos trabalhadores do ABC. Eles ficaram na Igreja Santa Terezinha, no Bairro do mesmo nome e local de uma das casas da Associação Lar Menino Jesus, ficando encarregados também da celebração diária da missa na capela da entidade. Inúmeras igrejas foram sendo construídas por toda a Diocese, eram irmandades e movimentos, pastorais e projetos específicos de auxílios e evangelização.
Foram 21 anos de pastoreio oferecidos com muito amor aos seus diocesanos, apesar das interrupções provocadas por 3 infartos sofridos no período, sendo o primeiro em Roma em 1962 quando da realização do Concílio Ecumênico, voltando a se repetir por mais duas vezes no Brasil. Em dezembro de 1975, com o agravamento de suas condições de saúde ele teve que renunciar, tornando-se Bispo Emérito. Nessa ocasião ele disse: “outros Bispos virão, cada um com seu carisma, cada um deixará sua marca, mas todos vão pregar a mensagem do Cristo e seus ensinamentos, chamando a todos os diocesanos para o dever que cada cristão tem de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.
E, de fato, depois dele a Diocese ficou nas mãos de Dom Cláudio Hummes, seu Bispo auxiliar que aqui permaneceu por 21 anos, nos trabalhos de evangelização, mas também no apoio às questões que envolviam os trabalhadores do ABC. Quero lembrar também da doçura e do sorriso de Dom Décio Pereira, nos momentos em que visitou as crianças no Lar Menino Jesus. Especialmente quero falar de Dom Nelson Westrupp, que em 2013 aceitou que a Diocese assumisse o futuro da Associação Lar Menino Jesus indicando Sacerdotes, Diáconos e Leigos para executar as tarefas necessárias para a sua sobrevivência. E agora o nosso Dom Pedro Carlos Cipolini que, assim como Dom Jorge, mostra sua preocupação com o social, seja no apoio às atividades da entidade, seja procurando criar ações coordenadas a fim de enfrentar os problemas sociais da Diocese.
Como se vê, nesses 65 anos da Diocese de Santo André, muito se tem a comemorar, apesar dos obstáculos estarem se tornando maiores a cada dia, desafiando nossa capacidade de colocar em prática os ensinamentos de Jesus Cristo.
*Artigo por Irmã Maria Miele-Serva do Menino Jesus