Diocese de Santo André

Homilia | Missa de Exéquias do Papa Emérito Bento XVI

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Homilia na Missa de Exéquias do Papa Emérito Bento XVI

Catedral Nossa Senhora do Carmo – Santo André – SP

Sb 3,1-9; Ap. 21,1-7; Jo 6,37-40

 

Prezados Padres, Diáconos, Membros da vida consagrada, irmãos e irmãs em Cristo Jesus! Agradecemos vossa presença para rezar pelo Papa Emérito, agradeço ao Padre Joel, pároco da Catedral que preparou esta celebração oficial da Diocese pelo descanso eterno de Bento XVI.

Nesta santa missa, celebramos nossa fé, pois, “a Eucaristia é por excelência mistério da fé.  É o resumo e a súmula da nossa fé, dado que a fé da Igreja é essencialmente fé eucarística” (cf. Bento XVI in Sacramentum caritatis nº.1). “A Eucaristia aparece na raiz da Igreja como mistério de comunhão” (Idem nº.15).

É inseridos nesta comunhão, que através desta liturgia nós desejamos rezar pelo descanso eterno do Papa Emérito Bento XVI. Faz parte de nossa fé crer na “comunhão dos santos”, como rezamos no Credo. Por isso, com certeza, Deus acolhe nossas preces por este seu filho, o qual na sua longa vida o buscou de coração sincero.

A primeira leitura nos fala que a vida dos justos está nas mãos de Deus, pois Deus os provou e os achou dignos de si. Na vida do papa Bento XVI, desde sua tenra infância ele aprendeu com seus pais, católicos fervorosos, o temor de Deus, a fé pura, que consiste em se colocar nas mãos de Deus e deixa-lo dirigir nossa vida. O justo é o que tem uma fé comprovada no dia a dia muitas vezes monótono da vida. É quem busca fazer a vontade de Deus e persevera até o fim.

No papa Bento XVI, vemos a realização de uma vida cristã, na qual ele, mais fez o que a Igreja pediu dele (p.ex. morar em Roma para trabalhar no Vaticano), do que a sua própria vontade (ser professor na sua pátria). Diz ainda a primeira leitura: “Os que confiam em Deus compreenderão a verdade, e os que perseveram no amor ficarão junto dele”. O lema episcopal escolhido pelo papa Bento XVI foi: “Cooperador da verdade” (cooperatores veritatis), baseado em 3 Jo 8.

Como santo Agostinho, seu grande mestre, ele era apaixonado pela busca da verdade, esta verdade que ele descobriu revelada em Jesus Cristo. Assim escreveu no final de seu testamento: Jesus é realmente o caminho, a verdade e a vida! Como teólogo, dedicou-se a oferecer à Igreja sua reflexão, trabalho de um “humilde trabalhador na vinha do Senhor”, como se definiu no dia de sua elevação ao papado.

Dele disse o Papa Francisco na audiência desta última quarta-feira:

“Antes de começar esta catequese, gostaria que nos uníssemos a quantos, aqui ao lado, prestam homenagem a Bento XVI e dirigir o meu pensamento a ele, que foi um grande mestre de catequese. O seu pensamento perspicaz e gentil não foi autorreferencial, mas eclesial, pois sempre quis acompanhar-nos ao encontro com Jesus. Jesus, o Crucificado Ressuscitado, o Vivente e o Senhor, foi a meta para a qual o Papa Bento XVI nos conduziu, levando-nos pela mão. Que ele nos ajude a redescobrir em Cristo a alegria de acreditar e a esperança de viver. ”

No Evangelho que ouvimos Jesus nos diz qual é a vontade do Pai do céu: “…que toda pessoa que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna. E eu o ressuscitarei no último dia”. A fé em Jesus Cristo foi sempre o foco da vida e do trabalho teológico e depois pastoral, como bispo e papa, do Papa Bento XVI. Por causa de Jesus Cristo escreveu um documento, que causou muita polêmica: “Dominus Iesus”.

Nele afirmou que somente em Jesus poderemos ter a salvação, pois Ele é a plenitude da revelação de Deus à humanidade. Afirmou assim o caráter definitivo e completo da revelação de Jesus Cristo. O Evangelho é a plenitude da verdade. A Igreja é a casa da Palavra Revelada, deve anunciar sem cessar, que Jesus Cristo é o mediador e o redentor universal e “o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de se associarem, do modo que só Deus conhece, ao mistério pascal” (DI n.12).

Estas afirmações, clima de relativismo reinante, lhe custaram muitas críticas, zombarias e inimizades. Porém ele não se abalou. Estava convicto de que estas afirmações da fé fundamentam a missão da Igreja, que é levar Jesus Cristo e seu Reino ao mundo como oferta de salvação em plenitude.

De fato, um outro teólogo, famoso no mundo todo, afirmava de forma lapidar o que ele afirmou na Dominus Iesus: “Basta olhar para Cristo e meditar o Evangelho, para mergulharmos na Verdade”(B. Haring in V. Salvoldi, Uma autobiografia à maneira de entrevista, Paulinas, S. Paulo, 1998, p.183).

Foi muito custoso ao então Cardeal J. Ratzinger, como prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, centrado na teologia europeia, compreender a validade da Teologia elaborada na América Latina. Alertou para o perigo de ideologização, um risco que corre toda nova corrente teológica ao longo da história. Por isso, precisa ser orientada com paciência mais do que com condenações…

Porém, por fim, como papa, na abertura da Conferência de Aparecida em 2007 afirmou que a “opção pelos pobres é cristológica”, opção que está na base da teologia latino-americana. Na Exortação Verbum Domini, afirmou que Deus tem preferência pelos pobres e  que  a Igreja não pode desiludir os pobres. Na encíclica Caristas in Veritate, afirmou que os pobres não podem ser vistos como fardo, pelo poder econômico. Os ricos tem obrigação de partilhar com os pobres, por uma questão de justiça.

Joseph Ratzinger,  sabia o que era passar fome, durante a segunda guerra mundial quando estava já no seminário, como ele mesmo diz ao seu biógrafo que transcreveu suas palavras: “Toda vez que se devia preparar uma refeição para um visitante, passávamos fome, aliás, com as mais escassas porções de comida, a fim de juntar o ingredientes ao longo de quatro semanas” (Peter Seewald, in Bento XVI – a vida, Paulus, S. Paulo, 2021, p.281).

Por fim, meus irmãos e minhas irmãs, a segunda leitura nos descreve de forma maravilhosa o novo céu e nova terra na qual Deus “enxugará todas as lágrimas”. É o Reino de Deus concretizado para sempre no qual Cristo será tudo em todos.

Creio que em todos os 95 anos de vida, o papa Bento XVI, que foi batizado no sábado santo e morreu num sábado da oitava do Natal, teve os olhos voltados para esta visão maravilhosa que é o termo de toda a vida cristã, e de toda história humana.

É grandiosa a promessa que Jesus Cristo, o Vivente, o Alfa e o Ômega, faz a todos: “A quem tiver sede, eu darei, de graça, da fonte de água viva”. O papa Bento XVI foi um sedento de Deus, um buscador de Deus com o coração: procurando ser humilde e gentil; com a inteligência, estudando teologia e ensinando, mas, sobretudo com a fé que ele teve em grau admirável. Comprovada com a coragem de sua renúncia ao papado e paciência no sofrimento da velhice prolongada.

Cremos que no termo de sua existência se realizou o que está escrito no final da segunda Leitura aqui proclamada: “O vencedor receberá esta herança, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho”.

Amém

Dom Pedro Carlos Cipollini

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