Diocese de Santo André

Dom Pedro fala sobre a Comissão da Doutrina da Fé na Assembleia Geral da CNBB

 

60ª ASSEMBLEIA GERAL DA CNBB

 

Aparecida – SP 19 a 28 de abril 2023

 

Fala da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé – CEPDF

 

Saudação a todos os irmãos bispos participantes desta Assembleia.

Saúdo Dom Walmor, presidente, e os demais membros da direção da CNBB. Saúdo todos os participantes, nas suas várias funções ministeriais e serviços. Em nome da CEPDF agradeço o espaço disponibilizado para esta fala e a atenção que dispensarem à exposição. A CEPDF está terminando seu mandato. Nesta fala deixamos aqui uma pequena e última contribuição.

 

Introdução

Jesus, nos Evangelhos, exige das pessoas que tenham fé. Além disto, exorta os próprios discípulos a terem fé. Não podemos compreender a Igreja nos seus primórdios sem a primazia da fé (cf. Francisco, Lumen fidei 5). Igreja apostólica que “permanecia firme na fé e abria aos gentios a porta da fé” (cf. At 14,27). Crer em Cristo não é algo indiferente, um saber a mais, um dado da cultura humana. É um compromisso que brota de um encontro, uma decisão, que implica a vida toda, a aceitação da cruz, uma mudança radical de horizonte. Crer em Jesus Cristo implica o mais profundo da consciência e da liberdade humana. Aceitar Cristo começa por renunciar a si mesmo e depois a todos os ídolos e projetos não compatíveis com Cristo: “Portanto, qualquer um de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Em última instância, exige-se uma conversão: “Se não vos converterdes e vos tornardes como crianças não entrarão no Reino dos Céus” (Mt 18,3).

Hoje em dia, muitos cristãos já não são conscientes nem sequer dos ensinamentos básicos da fé, por isso, existe um perigo crescente de apartar-se do caminho da fé que leva à vida eterna (cf. Jo 6,47). Por este motivo, segue sendo tarefa própria da Igreja conduzir as pessoas a Jesus Cristo, luz das nações (cf. Lumen gentium, 1), através da fé nele. Segundo São João Paulo II, o Catecismo da Igreja Católica é uma “norma segura para a doutrina da fé” (João Paulo II, Fidei depositum, IV) e foi escrito com o objetivo de fortalecer na fé os irmãos e irmãs. Fé que, por sua vez, está sendo amplamente questionada pela “ditadura do relativismo”, que se expande em um contexto social marcado pelo cientificismo e secularismo, dominados pelo poder econômico. A partir desta introdução sobre a fé, gostaria de propor algumas reflexões que considero importantes.

 

    1. A Fé numa situação de mudança de época

As questões de Fé se referem à Verdade Revelada, da qual depende tudo o mais: “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11, 6). Muitas vezes deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e às nossas comunidades. Nós, como Igreja, temos conseguido dar as razões de nossa esperança a partir da fé, em meio às crises atuais? Escreve o Papa Francisco: “Quando a fé esmorece, há o risco de esmorecerem também os fundamentos do viver” (cf. Lumen fidei, 55). Surgem, hoje, algumas questões importantes concernentes à fé a respeito das quais a Igreja precisa refletir a fim de dar uma resposta qualificada: (1) a experiência religiosa feita nas redes sociais; (2) o surgimento de grupos ultraconservadores com matiz tradicionalista; (3) o desequilíbrio entre a ortodoxia e a ortopraxia; (4) a questão da fragilidade e da finitude da vida humana; (5) o surgimento de um novo paradigma pós-cristão que toca, particularmente a concepção de família e da sexualidade; (6) a falta de pertença à Igreja local e paroquial; (7) a unidade da Igreja na pluralidade, que no entanto, deve manter, a comunhão indivisível em torno da “Regula Fidei”; (8) a ausência de Deus no debate público; (9) a dificuldade em acolher a existência de uma Verdade revelada.

Assim como na Igreja dos três primeiros séculos, estamos em uma situação de testemunho martirial/profético, exigente, desinstalador. Não serve a opção pelo conformismo e indiferença. A fé é um “bem comum de todos os fiéis”, a começar dos pobres, por isso defender a fé e propor a fé em toda sua beleza, é uma “obra social” a favor de todo o Povo de Deus. E isto cabe, sobretudo, aos bispos, que devem garantir o anúncio e a transmissão da fé, de modo adequado. A Igreja e os fiéis esperam dos bispos, além da unidade, uma palavra de pastores, capaz de sustentar o testemunho do Povo de Deus e sustentar a ação evangelizadora missionária da Igreja em meio a esta crise epocal.

 

    • Tarefa dos Bispos como “pais na fé” e a CEPDF

A fé é o bem mais precioso que temos, porque a verdade é elemento fundamental para a vida do ser humano. Jesus veio dar “testemunho da verdade”, como ele mesmo diz (Jo 18,37). Daí deriva que a preocupação para que a fé não se corrompa e seja claramente explicitada, deva ser considerada tão ou mais necessária que a saúde corporal, como o entendem os mártires. Temos que esclarecer o que é ideológico e o que é da fé católica. Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, não pode ser taxado de exagero, falta de espírito ecumênico. O que a Igreja crê está acima das ideologias da moda, porque a Igreja prega o amor e “quem ama, compreende que o amor é experiência da verdade” (Francisco, Lumen fidei, 27).

A tarefa do Magistério da Igreja é transmitir a fé e velar por ela, proteger o povo de Deus dos desvios e das falhas e lhe garantir a possibilidade objetiva de professar sem erro a fé autêntica. Cabe aos bispos portanto, como pais da Igreja, pais na fé, preservar o depósito da fé, qual “patrimônio sagrado” (1Tm 6,20), isto o fazemos na colegialidade e colaboração, a serviço da missão evangelizadora, que não só brota da fé, mas é transmissão da própria fé, através do anúncio do Evangelho.

Em 23 de fevereiro de 1967, o Papa S. Paulo VI, através de uma Instrução aprovada por ele e emanada da Congregação Para a Doutrina da Fé, pediu que cada Conferência Episcopal instituísse uma Comissão Doutrinal para o “serviço à verdade em vista do direito do Povo de Deus de receber a mensagem do Evangelho na sua pureza e na sua integralidade. A Comissão de Doutrina, portanto, está a serviço, age por mandato da Conferência Episcopal e é um órgão consultivo de ajuda à Conferência. Ela, portanto, ajuda os bispos na salvaguarda do “depositum fidei” contido na Sagrada Escritura e na Tradição. Não deve haver um motivo pastoral para esconder ou minimizar a verdade doutrinal e moral que é dom de Cristo à Igreja: a Revelação. Não se pode contrapor a “pastoral” à “doutrina”. Os erros com relação à fé não são danosos somente no plano intelectual, mas ferem e confundem os fiéis, na sua ação e prática em favor do Evangelho. Toda nossa vida cristã é confiada “à regra de doutrina” (Rm 6,17), daí a importância da CEPDF no conjunto da missão e dos trabalhos da Conferência Episcopal.

O serviço à verdade é um serviço pastoral, que não está somente interessado nas ideias, mas numa incidência eficaz naquilo que o povo cristão crê, espera, deseja e ama. A verdade plasma não só o pensamento, mas a própria vida. É neste sentido que se justifica chamar a Comissão Episcopal de Doutrina de “pastoral”. Os propósitos da CEPDF, entre outros, são: assistir a CNBB no exercício do Magistério Doutrinal; promover a fidelidade à Doutrina da Igreja e a integridade na sua transmissão; emitir parecer sobre publicações que exigem esclarecimento a respeito da sua concordância com a fé; avaliar, do ponto de vista doutrinal, os textos das Comissões e Grupos de trabalho da CNBB destinados à publicação; promover a publicação de temas de interesse eclesial etc. Enfim, cuidar da unidade, integridade na transmissão da fé.

 

    • Luzes e sombras em relação à vida de fé de nossa Igreja

Neste ponto da reflexão, desejo ressaltar alguns pontos positivos na nossa vivência da fé como Igreja, em nossa realidade brasileira no seu conjunto: (1) a fé entre nós é vivida na sua dimensão antropológica, quando revela o ser humano como ele é diante de Deus, da sociedade e de si mesmo; (2) a fé na sua dimensão teológica é vivida a partir da Revelação, da celebração da fé (Liturgia), da espiritualidade libertadora, da convicção do primado absoluto de Deus e seu Reino; (3) a fé é vivida entre nós na sua dimensão cristológica, na centralidade de Jesus Cristo, na Palavra, na Eucaristia, no amor comunitário e sobretudo na opção cristológica pelos pobres; (4) a fé é vivida na sua dimensão eclesial com a visão conciliar de Igreja mistério (sacramento) de comunhão e participação como Povo de Deus, Igreja peregrina de discípulos-missionários, permeada pela sinodalidade.

Temos sido, como episcopado, fiéis testemunhas da fé! Muitos irmãos bispos o são com grandes sacrifícios, alguns até mesmo arriscando a vida. Temos percebido que não só a ortopraxis é importante, mas muito mais a ortodoxia, a correta compreensão da fé, porque dela brota a prática, inclusive a opção pelos pobres.

Infelizmente, dentro deste mesmo contexto, vemos algumas tendências que, atrapalham a vivência da fé na sua unidade e integralidade, por isso exige vigilância da parte dos pastores: (1) o problema do ateísmo e do secularismo; (2) o antropocentrismo que leva ao relativismo em todos os campos, inclusive o ético; (3) a ausência da pregação sobre e contra o pecado na linha do que ensina o Vaticano II na Gaudium et spes (cf. GS 18); (4) a tentação de separar a lex credendi, lex orandi, lex practicandi e lex celebrandi; (5) uma experiência de fé permeada apenas pelo emocional-afetivo e o folclórico; (6) o risco de a Teologia limitar-se a ser Ciência da Religião; (7). O gnosticismo que quer dominar o mistério de Deus, da graça e da vida dos outros, como o pelagianismo que tudo atribui à vontade pessoal e esforço humano (cf. Papa Francisco in Gaudete et exultate cap. II).

 

    • Questões desafiadoras que exigem reflexão e vigilância constante

Vejamos algumas questões urgentes, que esperam de nós vigilância e atenção mais exigentes, inclusive na implementação de escolhas pastorais já feitas.

É necessário tomar consciência do relativismo, o laicismo e a crise de sentido, dominantes na sociedade de hoje, que rejeita a Igreja e os princípios da ética cristã, e responder com coragem, formando cristãos adultos na fé, capazes de transmiti-la.

Só permanecerá de pé a árvore que tiver raiz forte, ou seja, a fé, vitória que vence o mundanismo.

Em seguida, devemos dizer que para enfrentar a crise não precisamos somente de diálogo e tolerância, mas precisamos de voltar às origens, de começar de Jesus Cristo e sua prática libertadora (civilização do amor), de uma adesão decidida pelo Concílio Vaticano II, que é “bússola segura para o novo milênio” (João Paulo II, Novo millenio ineunte). Dentro desta questão, creio que seja necessário vencer a compreensão distorcida do “ecumenismo” que impede, muitas vezes, de ensinar os fiéis católicos a distinguirem a diferença entre a Doutrina da Fé Cristã, o “Depositum Fidei” ou “Regula Fidei”, das múltiplas denominações cristãs que se servem da Bíblia e de algumas das verdades de Fé.

É importante nos lembrar também que a Igreja, que não é ONG (no dizer do Papa Francisco) e, por isso, deve ser Igreja da acolhida e missão, mas antes de tudo deve ser Igreja de Jesus Cristo a qual acredita que nem só de pão vive o homem.

A pandemia nos colocou grandes desafios: a sociedade tem de ser mais solidária; temos de ter mais cuidado com os outros e com a natureza; a tecnologia não pode nos desumanizar, mas deve ser humanizada; combater o mundo da “pós-verdade”. Porém, nenhum desafio para nós é maior do que manter a comunidade de fé, a Igreja, unida e reunida.

Por fim, um último tema é o modo de vivermos a vida na Igreja que sufoca a maturidade dos leigos na fé, refiro-me ao clericalismo. Isto dificulta a transmissão da fé e a missionariedade de toda a Igreja.

O que notamos é que temos os instrumentos que nós mesmos fabricamos colegialmente na nossa Conferência, para dar uma fé sólida a nosso povo, mas parece que não os aplicamos colegialmente. Temos muitos remédios, que nós mesmos fabricamos, mas não aplicamos. O que acontece?

Devemos enfim, nos perguntar se a evasão de fiéis de nossas comunidades, não é provocada, também pela insegurança doutrinal, que leva cada um a crer no que convém, fazendo como que um “self-service” dos conteúdos da Fé? Fazendo assim jus ao relativismo?

Conclusão

Ser tentado na fé sob um plano cultural é uma das provas mais duras das pessoas e principalmente do cristão. Em especial em nossa época, na qual a ciência e o poder econômico se aliam para questionar tudo, e tudo colocar de acordo com seus parâmetros. Muitos já separaram a vivência da fé, a prática da fé, da religião e da própria vida. É preciso, portanto, retomar, recomeçar, a partir de Jesus Cristo (CELAM, Documento de Aparecida, 244-245). Voltar a Jesus Cristo, às origens é voltar ao essencial, retomar o “coração da fé”, ao Evangelho do Reino.

Precisamos transmitir uma fé capaz de dar esperança para sustentar a vida do povo. Encontramos algumas dificuldades que precisamos resolver com muito discernimento e coragem, quanto a esta questão da transmissão da fé. Confiemos na ação do Espírito, enviado sobre os apóstolos em Pentecostes.

Ele nos escolheu e ungiu, para sermos cooperadores da verdade (cf. 3 Jo 8). Ele jamais nos faltará! Por nossa vez escolhamos uma nova Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé (CEPDF), capaz de ajudar na missão essencial que lhe compete.

Agradecemos em nome da Comissão de Doutrina. Muito obrigado.

 

Dom Pedro Carlos Cipollini

 

Bispo de Santo André

 

Presidente da CEPDF

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